HOMEM
Visto que Cristo precede o homem em preeminência, pode parecer que a doutrina de
Cristo mereça receber atenção primeira em relação a doutrina do homem. Mas, visto
que a obra redentora de Cristo permeia o estudo de Cristo, e visto que foi por seres
humanos — isto é, os pecadores eleitos — que Cristo fez expiação, é, portanto,
razoável estudar primeiramente a doutrina do homem. Além do que, visto que Cristo
tomou sobre si os atributos humanos na encarnação, ter um entendimento prévio da
antropologia bíblica facilitará nosso entendimento desse e de outros aspectos da
cristologia.
Portanto, embora Cristo seja a segunda pessoa da Trindade, e venha imediatamente
após a doutrina de Deus numa estrutura trinitariana de teologia sistemática, no
presente curso do estudo colocaremos a doutrina do homem imediatamente após a
doutrina de Deus, de forma que possamos entender algo sobre a outra parte na relação
Deus-homem, que é tão central para a teologia cristã.
A CRIAÇÃO DO HOMEM
Após criar a terra, as plantas e os animais, Deus criou o homem. Ao criar as coisas
anteriores, Deus simplesmente ordenou que elas viessem à existência. Por exemplo,
em Gênesis 1.3, ele diz, “Haja luz”, e no versículo 11 ele diz, “Cubra-se a terra de
vegetação”. Quanto à criação do homem, o relato de Gênesis registra o que parece ser
uma conferência entre os membros da Trindade, concordando em criá-lo à imagem de
Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (1.26).
Mesmo sem a informação anterior contida nos versículos 26-30, isso sugere uma
relação especial entre Deus e o homem, e que um cuidado especial foi dado em sua
criação.
Talvez a objeção contemporânea mais popular contra o relato de Gênesis da criação
do homem seja a teoria da evolução. Ele nega a criação direta do homem por Deus, e
propõe que a vida se originou da não-vida, e que o homem é o produto de mutações a
partir de espécies inferiores.
A teoria da evolução contradiz o que a Escritura diz sobre a origem do homem.
Gênesis 2.7, 21-22 reconta a criação do homem da seguinte forma:
Então o SENHOR Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas
narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.... Então o
SENHOR Deus fez o homem cair em profundo sono e, enquanto este dormia,
tirou-lhe uma das costelas, fechando o lugar com carne. Com a costela que
havia tirado do homem, o SENHOR Deus fez uma mulher e a levou até ele.
O homem foi criado antes da mulher, e visto que já existia um membro da espécie
humana na criação da mulher, Deus tomou material pré-existente a partir do homem
para criá-la. Contudo, quando Deus criou o homem, a Bíblia não diz que ele usou
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material pré-existente a partir dos animais que ele já tinha criado, mas que ele pegou
diretamente “o pó da terra” e diretamente “soprou em suas narinas o fôlego de vida”.
Portanto, a Bíblia ensina que o homem foi criado por um ato direto de Deus, e não
através de evolução biológica. Embora haja outros detalhes em Gênesis 1-2 que
reforcem tal entendimento, 1 o acima exposto é suficiente para mostrar que a teoria da
evolução contradiz a revelação bíblica.
Ora, a própria Bíblia reivindica que toda Escritura é revelação divina (2 Timóteo 3.16)
e, assim, ela toda fala com tal autoridade. Em outras palavras, visto que a própria
Bíblia reivindica que toda parte da Bíblia é inspirada por Deus, rejeitar qualquer
proposição bíblica necessariamente acarreta a rejeição da própria reivindicação da
Bíblia de que toda ela é inspirada por Deus.
Visto que ela própria reivindica que cada parte sua é verdadeira, julgar qualquer parte
como sendo falsa requer um apelo a uma autoridade ou padrão de verdade alheio à
Bíblia. Mas, se alguém rejeita a reivindicação de infalibilidade dela própria por julgar
uma de suas proposições falsas, então ele não pode aceitar a reivindicação da própria
Bíblia de infalibilidade quando ele julga outra de suas proposições verdadeira. Isto é,
se uma pessoa apela a uma autoridade ou padrão não-bíblico ao rejeitar uma
determinada proposição bíblica, então deve continuar a apelar a uma autoridade ou
padrão não-bíblico quando concordar com outra proposição bíblica.
Por exemplo, visto que a própria Bíblia afirma a deidade de Cristo, quem rejeita isso
somente pode fazê-lo admitindo uma autoridade ou padrão não-bíblico pelo qual ele
julga falsa a Bíblia. 2 Mas então, se esse mesmo indivíduo concorda com o ensino
bíblico de que o assassinato é imoral, ele não pode fazê-lo pelo fato de a Bíblia
ensinar isso. Pelo contrário, ele deve novamente apelar a uma autoridade ou padrão
não-bíblico para justificar sua crença de que o assassinato é imoral.
Visto que ele rejeitou a autoridade da Bíblia para justificar suas próprias afirmações
quando recusou seus ensinos sobre a deidade de Cristo, não pode agora apelar à
autoridade da Bíblia para justificar suas próprias declarações quando afirma que o
assassinato é errado. Contudo, se a autoridade ou padrão não-bíblico ao qual ele apela
é injustificável — e nossa posição é que toda autoridade ou padrão não-bíblico é
injustificável 3 — então ele não pode nem justificar sua rejeição da deidade de Cristo,
nem sua afirmação de que o assassinato é errado.
Se por uma autoridade ou padrão estranho à Bíblia alguém aceita uma parte da Bíblia
e rejeita outra, então a que ele aceita não é mais verdadeira porque ela assim o diz,
mas porque a autoridade a qual ele é leal assim o diz. Portanto, ele não pode justificar
sua crença na parte da Bíblia que ele afirma por ela dizer, mas deve justificá-la pela
autoridade ou padrão epistemológico pelo qual ele a avalia. Todavia, se sua
epistemologia carece de justificação, seu veredicto sobre qualquer parte da Bíblia
também carece daquela, e o que ele diz não tem valor.
Por conseguinte, uma pessoa que rejeita uma parte da Bíblia não pode reivindicar
aceitar outra sobre a base de a segunda ser a revelação de Deus, visto que rejeitou o
status de revelação da primeira. Da mesma forma, aceitar qualquer uma das
proposições da Bíblia porque ela é uma parte dessa, obriga uma pessoa a aceitar toda
a Bíblia como verdadeira, visto que a autoridade por detrás de todas as proposições
bíblicas é uma, e não muitas.
Uma pessoa que rejeita uma proposição bíblica não pode ao mesmo tempo apelar à
autoridade divina para sustentar suas outras crenças. Ela deve confiar nessa autoridade
ou padrão pela qual julga que uma proposição bíblica é falsa. Contudo, se somente a
autoridade divina pode justificar qualquer proposição ou sustentar qualquer crença em
qualquer hipótese, então essa pessoa que se fia numa autoridade ou padrão não-bíblico
imediata e simultaneamente perde a justificação para tudo o que afirma. Visto que a
reivindicação da própria Bíblia de supremacia e infalibilidade está ligada a todas as
suas proposições, alguém que rejeita qualquer de suas partes, deve rejeitá-la toda, e
alguém que aceita qualquer parte sua, deve fazê-lo para toda a Bíblia.
Para o nosso propósito, isso significa que alguém que rejeita o relato bíblico da
criação direta do homem não pode ao mesmo tempo afirmar a criação do universo por
Deus sobre o fundamento da Escritura. Se alguém aceita a criação do universo por ele
porque a Bíblia o ensina, ele também deve afirmar a criação direta do homem por
Deus porque ela ensina isso.
Ora, a teoria da evolução trata com o que se formou de materiais pré-existentes. Visto
que nenhuma evolução poderia ter ocorrido se não houvesse nada para evoluir, a
teoria da evolução pressupõe a existência do universo. Isto é, a biologia pressupõe a
cosmologia. Mas tanto a biologia como a cosmologia pressupõe a possibilidade do
conhecimento humano, ou epistemologia. Assim, epistemologia é anterior a
cosmologia, que é anterior a biologia.
Mostramos que a biologia evolucionária é uma biologia não-cristã. Mostramos
também que não se pode rejeitar um aspecto da cosmovisão cristã e depois aceitar
outro dessa. Portanto, uma biologia não-cristã pressupõe uma cosmologia não-cristã, e
uma cosmologia não-cristã pressupõe uma epistemologia não-cristã. Entretanto, se
todas as teorias não-cristãs de epistemologia são demonstravelmente falsas, então
todas as teorias não-cristãs de cosmologia ficam destruídas. E se todas as teorias nãocristãs
de cosmologia ficam destruídas, então teorias não-cristãs de biologia são
destruídas também, incluindo a biologia evolucionária.
Afirmar a biologia evolucionária pressupõe uma epistemologia não-cristã, resultando
na destruição da cosmovisão inteira de uma pessoa. Mas pressupor uma epistemologia
cristã na qual a infalibilidade exclusiva da Escritura é afirmada, rejeita a biologia
evolucionária desde o princípio. Portanto, a biologia cristã, que afirma a criação direta
do homem por Deus, é verdadeira por necessidade dedutiva, mas é impossível para a
biologia evolucionária ser verdadeira.
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Certamente, dentro do contexto do debate, podemos também temporariamente
assumir as proposições da ciência secular por causa do argumento, e a partir dessa
base argumentar que a evolução é “uma teoria em crise” e que “os fósseis ainda dizem
Não”. 4 Mas como eu tenho assinalado em outros lugares, todo raciocínio científico é
formalmente falacioso e não pode alcançar a certeza dedutiva. Assim, os argumentos
científicos contra a evolução são mais fracos do que os argumentos bíblicos contra a
evolução que estou apresentando aqui. 5 Um argumento que destrói a cosmovisão
evolucionista inteira em seu próprio ponto de partida é certamente superior.
A seguir, um resumo do argumento exposto acima contra a biologia evolucionária:
1. A teoria da evolução contradiz a Bíblia.
2. Portanto, o evolucionista não pode tomar emprestada nenhuma premissa
cristã para a sua cosmovisão.
3. Um universo deve primeiro existir para a vida existir nele (ou se
desenvolver a partir dele).
4. Portanto, qualquer teoria biológica pressupõe uma teoria de cosmologia.
5. O conhecimento deve ser possível antes que uma teoria de cosmologia possa
ser formulada.
6. Portanto, qualquer teoria de cosmologia pressupõe uma teoria de
epistemologia.
7. Somente a epistemologia cristã é justificável e verdadeira.
8. Portanto, somente a cosmovisão cristã é justificável e verdadeira, e assim
somente a cosmologia cristã é justificável e verdadeira e, assim, apenas a
biologia cristã é justificável e verdadeira.
9. A biologia cristã afirma a criação direta do homem por Deus.
10. Portanto, a visão de que Deus fez o homem por criação direta é verdadeira,
e a teoria da evolução é falsa.
Exijo que o evolucionista me diga como um não-cristão pode saber algo antes que ele
me apresente suas teorias de cosmologia e biologia. Mas, visto que o evolucionista
não pode encontrar uma epistemologia para suportar sua cosmologia, e visto que ele
não pode encontrar uma cosmologia para suportar sua biologia, sua biologia existe
somente em seu próprio mundo imaginário, e sua teoria da evolução é uma fantasia
tanto quanto o seu universo. Assim, o evolucionista não tem nem mesmo o direito de
apresentar seus argumentos sobre a biologia evolucionária, a menos que eu escolha
ouvi-la.
A biologia não existe num vácuo. Não podemos simplesmente concordar que o
universo existe e discutir apenas sobre biologia, visto que o tipo de universo assumido
determina o que é possível dentro dele. Se a epistemologia não-cristã é impossível,
então não é possível a cosmologia não-cristã, e se não é possível a cosmologia nãocristã,
então a biologia não-cristã é impossível. Contudo, uma vez que aceitamos uma
epistemologia cristã, e assim uma cosmologia cristã, então a criação direta do homem
por Deus segue-se por necessidade, e todas as teorias não-cristãs de biologia são
rejeitadas.
Tudo isso é apenas para aplicar o argumento dogmático à teoria da evolução. O poder
do argumento dogmático é tal que ele conclusivamente estabelece toda a fé cristã
como verdadeira, e simultaneamente serve como uma refutação conclusiva de todas as
idéias e cosmovisões não-cristãs, quer conhecidas ou desconhecidas. Visto que temos
mostrado que toda a Escritura é exclusivamente verdadeira pelo argumento
dogmático, e visto que a evolução contradiz a Escritura, então a evolução é
automaticamente falsa. Isto é, visto que apenas a Bíblia está certa, e visto que a
evolução contradiz a Bíblia, então a evolução está errada. Nenhum argumento
adicional é requerido.
Podemos proceder agora com o entendimento de que Deus fez o homem através de
uma criação direta e completa, sem qualquer tipo de processo evolucionário. Tendo
diretamente formado o corpo do homem usando material pré-existente da terra (mas
não de animais), Deus lhe deu vida, e o homem se tornou um ser vivo: “Então o
SENHOR Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de
vida, e o homem se tornou um ser vivente” (Gênesis 2.7).
Quanto ao propósito da criação do homem, a Bíblia ensina que o homem foi criado
pela vontade divina para a glória de Deus:
Tu, Senhor e Deus nosso, és digno de receber a glória, a honra e o poder,
porque criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram criadas
(Apocalipse 4.11).
Direi ao norte: “Entregue-os!” e ao sul: “Não os retenha”. De longe tragam os
meus filhos, e dos confins da terra as minhas filhas; todo o que é chamado pelo
meu nome, a quem criei para a minha glória, a quem formei e fiz (Isaías 43.6-
7).
Nele fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o plano
daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade, a fim de
que nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos para o louvor da sua
glória (Efésios 1.11-12).
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Então endurecerei o coração do faraó, e ele os perseguirá. Todavia, eu serei
glorificado por meio do faraó e de todo o seu exército; e os egípcios saberão
que eu sou o SENHOR” (Êxodo 14.4).
E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou
com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que
dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos
vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós,
a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os
gentios? (Romanos 9:22-24).
Alguns ensinam que a natureza amorosa de Deus o compeliu a criar objetos com
afeição adequados para satisfazer sua necessidade de exercer o amor sacrificial e
doador. Mas é herético dizer que ele tenha qualquer necessidade. Paulo diz em Atos
17:25: “Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque
ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas”. Sendo eternamente autoexistente,
Deus é auto-suficiente. Visto que o homem não é eterno, mas teve um
tempo definido de origem antes do qual ele não existia, e visto que “para o Senhor um
dia é como mil anos, e mil anos como um dia.” (2 Pedro 3:8), se Deus já pôde existir
sem o homem, ele poderia ter continuado a existir no mesmo estado para sempre.
Portanto, a criação do homem não foi devido a qualquer necessidade em Deus.
As passagens acima mostram que Deus criou tanto os eleitos como os réprobos para a
sua própria glória. Embora os réprobos não o glorifiquem conscientemente, ele
alcança glória para si mesmo através deles, de forma que é glorificado pelos eleitos na
salvação desses e pelos réprobos, na sua destruição.
Somente a ordem dos decretos eternos no SUPRALAPSARIANISMO, oposto ao
INFRALAPSARIANISMO, é consistente com o registro bíblico:
1. A eleição de alguns pecadores para salvação em Cristo; a condenação do resto
da humanidade pecadora.
2. A aplicação da obra redentora de Cristo aos pecadores eleitos.
3. A redenção dos pecadores eleitos pela obra de Cristo.
4. A queda do homem.
5. A criação do mundo e do homem.
Ainda que todos os pensamentos sejam simultâneos na mente de Deus, a disposição
lógica dos decretos eternos começa com o decreto de que Deus glorificaria a si
mesmo através da salvação dos eleitos por Cristo e a destruição dos réprobos. Cada
decreto subseqüente é então feito como o meio pelo qual o anterior seria realizado.
Logo, Deus escolheu glorificar a si mesmo, e o meio pelo qual ele seria glorificado é a
salvação de alguns por Cristo e a condenação de todos os outros. O meio pelo qual o
primeiro seria realizado é a obra redentora de Cristo. E o meio pelo qual a obra
redentora de Cristo tem significado é a queda da humanidade. Para a queda da
humanidade ser possível, Deus decretou a criação do mundo e do homem.
O infralapsarianismo confunde a execução do plano eterno com sua formulação, de
forma que ele começa onde a ordem supralapsariana termina. Contudo, uma mente
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racional formula um plano primeiramente determinando o fim, e só então o meio pelo
qual alcançará o fim determinado. A execução de um tal plano, contudo, inverte a
ordem da formulação, de forma que ele começa onde a formulação termina.
O supralapsarianismo é a ordem teleológica e o infralapsarianismo, a ordem histórica.
Visto que a intenção de discutir a ordem dos decretos eternos é descobrir o arranjo
lógico da formulação, e não a ordem histórica da execução do plano, o
supralapsarianismo é a posição bíblica.
Isso significa que Deus decretou ativamente a queda da humanidade como um dos
meios pelos quais ele cumpriria seu plano eterno. O pecado não foi um acidente e a
redenção não foi uma mera reação da parte de Deus. Como a Escritura diz: “O Senhor
faz tudo com um propósito; até os ímpios para o dia do castigo” (Provérbios 16:4).
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