SALVAÇÃO

SALVAÇÃO

ELEITOS

A doutrina bíblica da ELEIÇÃO ensina que Deus escolheu um número definido de
indivíduos para obter salvação mediante a fé em Cristo. As identidades exatas dessas
pessoas foram determinadas e são inalteráveis. Deus elegeu tais indivíduos sem
qualquer consideração por suas decisões, ações e outras condições neles, mas a base
de sua opção foi somente seu querer. Ele as escolheu para a salvação tão somente
porque quis escolhê-los, e não porque ele previu qualquer coisa que eles fossem
decidir ou fazer.
Ainda que eu vá mais completamente discutir a doutrina da eleição e responder a
várias objeções na presente seção, já tenho estado explicando e defendendo a doutrina
através deste livro, e todos os argumentos em apoio à absoluta soberania e à eleição
divinas que haviam aparecido nos capítulos anteriores também se aplicam a esta
seção. Lembrando isso, a necessidade de repetição será reduzida.
Nossa primeira passagem bíblica vem de Romanos 9. Ainda que o Israel nacional
fosse supostamente a nação escolhida de Deus, a maioria de seu povo tinha rejeitado a
Cristo, e assim foram tirados da salvação. Isso significa que a promessa divina para
com Israel havia falhado? Paulo resolve essa questão em sua carta aos romanos:
Não pensemos que a palavra de Deus falhou. Pois nem todos os descendentes
de Israel são Israel. Nem por serem descendentes de Abraão passaram todos a
ser filhos de Abraão. Ao contrário: “Por meio de Isaque a sua descendência
será considerada”. Noutras palavras, não são os filhos naturais que são filhos
de Deus, mas os filhos da promessa é que são considerados descendência de
Abraão. Pois foi assim que a promessa foi feita: “No tempo devido virei
novamente, e Sara terá um filho.” (Romanos 9.6-9)
Ainda que “Israel” fosse a nação escolhida por Deus, nem todos os israelitas de
nascimento natural eram israelitas genuínos. Deus nunca fez a promessa de salvação
ao Israel nacional, mas somente aos verdadeiros descendentes de Abraão, que
constituem o Israel espiritual. Quando seus adversários alegavam ser descendentes de
Abraão, Jesus respondia: “Se vocês fossem filhos de Abraão, fariam as obras que
Abraão fez. Mas vocês estão procurando matar-me, sendo que eu lhes falei a verdade
que ouvi de Deus; Abraão não agiu assim” (João 8.38-40). Ainda que tais pessoas
fossem descendentes naturais de Abraão, Jesus disse que eles não eram de fato filhos
dele, mas que tinham por pai o diabo (v. 44).
Por outro lado, Paulo escreve: “Se vocês são de Cristo, são descendência de Abraão e
herdeiros segundo a promessa” (Gálatas 3.29). Aqueles que tem a fé de Abraão são
seus genuínos filhos (Romanos 4.16). A promessa divina foi feita aos descendentes
espirituais de Abraão, não aos naturais. Naturalmente, esses últimos que crêem em
Cristo são também seus descendentes espirituais e, assim, também herdeiros da
promessa, mas herdeiros somente devido à sua herança espiritual e não à natural.
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Paulo então cita o exemplo de Jacó e Esaú:
E esse não foi o único caso; também os filhos de Rebeca tiveram um mesmo
pai, nosso pai Isaque. Todavia, antes que os gêmeos nascessem ou fizessem
qualquer coisa boa ou má — a fim de que o propósito de Deus conforme a
eleição permanecesse, não por obras, mas por aquele que chama — foi dito a
ela: “O mais velho servirá ao mais novo”. Como está escrito: “Amei Jacó, mas
rejeitei Esaú.” (Romanos 9.10-13)
Ainda que tanto Jacó quanto Esaú fossem descendentes naturais de Isaque, Deus os
tratou diferentemente, ao favorecer o mais novo em detrimento do mais velho. Tal
decisão não foi baseada em “qualquer coisa boa ou má” que tivessem feito, mas foi
para que “o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse.” A escolha foi
incondicional, significando que não foi “por obras, mas por aquele que chama.” Jacó
foi favorecido devido à soberana vontade de Deus, não por algo que tivesse feito ou
fosse fazer; a escolha divina foi completamente independentemente de qualquer
condição em Jacó. Como diz o versículo 15: “Terei misericórdia de quem eu quiser ter
misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão.” O verso 16
expressa a condição necessária: “Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço
humano, mas da misericórdia de Deus”.
Paulo diz que Deus nos salvou “por causa da sua própria determinação e graça,” não
devido a qualquer condição que ele viu em nós, e ele nos deu essa graça salvífica
“desde os tempos eternos” (2 Timóteo 1.9). Ele “nos predestinou”, escreve Paulo,
“conforme o bom propósito da sua vontade” (Efésios 1.5), não devido ao que ele
soubesse que iríamos decidir ou fazer. Somos “chamados de acordo com o seu
propósito” (Romanos 8.28). Aos tessalonicenses, Paulo escreve: “Ele os escolheu [a
vocês]” (1 Tessalonicenses 1.4), e não: “Vocês o escolheram”. Ele repete isso em sua
próxima carta a eles e diz: “Deus os escolheu [a vocês] para serem salvos” (2
Tessalonicenses 2.13), e não: “Vocês escolheram a si próprios para serem salvos.” A
eleição não depende das decisões ou ações do homem, mas da misericórdia divina que
é dispensada por sua vontade soberana somente.
Jesus diz em João 6.37,44:
Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais
rejeitarei.
Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o
ressuscitarei no último dia.
O versículo 37 diz que todos os que são pelo Pai dados a Jesus virão a esse, e o 44
exclui todos os demais de vir a Jesus. Ou seja, serão salvos todos a quem o Pai lhe dá
(v. 37), e ninguém que o Pai não dê a Jesus será salvo (v. 44). Visto que outras
passagens bíblicas indicam que nem todos serão salvos, segue-se necessariamente que
o Pai não dá toda pessoa a Jesus para ser salva.
A palavra traduzida por “atrair” no versículo 44 também quer dizer “arrastar”,
“puxar” ou até “forçar”, de modo que pode ser lido: “Ninguém pode vir a mim a não
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ser que o Pai que me enviou o arraste, o puxe e o force.” Por exemplo, a palavra é
traduzida por “arrastaram” e “arrastam” na NVI nos seguintes versículos:
Percebendo que a sua esperança de lucro tinha se acabado, os donos da
escrava agarraram Paulo e Silas e os arrastaram para a praça principal,
diante das autoridades. (Atos 16.19)
Toda a cidade ficou alvoroçada, e juntou-se uma multidão. Agarrando
Paulo, arrastaram-no para fora do templo, e imediatamente as portas
foram fechadas. (Atos 21.30)
Mas vocês têm desprezado o pobre. Não são os ricos que oprimem vocês? Não
são eles os que os arrastam para os tribunais? (Tiago 2.6)
Tendo em mente a total depravação do homem (Romanos 3.10-12,23), que está
espiritualmente morto e não pode responder a ou mesmo requisitar qualquer
assistência, Jesus está dizendo que ninguém pode ter fé nele a menos que seja
escolhido e compelido pelo Pai. Visto que a fé em Cristo é o único caminho para a
salvação (Atos 4.12), e visto que é o Pai apenas e não os próprios indivíduos humanos
quem escolhe aqueles que virão a Cristo, segue-se que é o Pai que elege quem
receberá salvação, e não os indivíduos humanos mesmos. 1
Jesus repete esse ensino em João 6.63-66:
O Espírito dá vida; a carne não produz nada que se aproveite. As palavras que
eu lhes disse são espírito e vida. Contudo, há alguns de vocês que não crêem”.
Pois Jesus sabia desde o princípio quais deles não criam e quem o iria trair. E
prosseguiu: “É por isso que eu lhes disse que ninguém pode vir a mim, a não
ser que isto lhe seja dado pelo Pai”. Daquela hora em diante, muitos dos seus
discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo.
Ninguém pode vir a Jesus a não ser que lhe seja dado pelo Pai; ou seja, ninguém tem a
faculdade de aceitar Jesus se o Pai não lha der. Essa mesma passagem mostra que o
segundo não dá tal capacidade a todos, visto que muitos deles não crêem e que
“muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo”. 2
Jesus diz a seus discípulos: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi” (João
15.16; também v. 19). Diz que “ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a
quem o Filho o quiser revelar” (Mateus 11.27). E, em Mateus 22.14, que “muitos são
chamados, mas poucos são escolhidos”, não que “muitos são convidados, mas poucos
aceitam o convite.” Isto é, muitos podem ouvir a pregação do evangelho, mas apenas
aqueles “designados para a vida eterna” (Atos 13.48) podem e vão crer. Os eleitos são
aqueles “por ele [Deus] escolhidos” (Marcos 13.20). Os crentes foram “escolhido[s]
pela graça” (Romanos 11.5), e são eles “os que pela graça haviam crido” (Atos
18.27). Assim, não se pode eleger a si mesmo para a salvação aceitando a Cristo, mas
recebe-se salvação aceitando a ele porque Deus escolhe primeiro. A fé não é a causa
da eleição, mas a eleição é a causa da fé. Cremos em Cristo porque Deus primeiro nos
elegeu para sermos salvos e então nos levou a acreditar naquele. Somos salvos porque
Deus nos escolheu, não porque o escolhemos.
A seguir, uma lista de várias passagens bíblicas relevantes para a doutrina da eleição,
incluindo citações mais completas daquelas passagens que estão citadas apenas
parcialmente acima. Algumas dessas passagens são também relevantes para os outros
tópicos que discutiremos posteriormente neste capítulo:
Como são felizes aqueles que escolhes e trazes a ti, para viverem nos teus
átrios! Transbordamos de bênçãos da tua casa, do teu santo templo! (Salmo
65.4)
Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a
não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o
Filho o quiser revelar. (Mateus 11.27)
Pois muitos são chamados, mas poucos são escolhidos. (Mateus 22.14)
Se o Senhor não tivesse abreviado tais dias, ninguém sobreviveria. Mas, por
causa dos eleitos por ele escolhidos, ele os abreviou. (Marcos 13.20)
Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto
que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome.
(João 15.16)
Se vocês pertencessem ao mundo, ele os amaria como se fossem dele.
Todavia, vocês não são do mundo, mas eu os escolhi, tirando-os do mundo;
por isso o mundo os odeia. (João 15.19)
Ouvindo isso, os gentios alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor; e
creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna. (Atos 13.48)
Querendo ele [Apolo] ir para a Acaia, os irmãos o encorajaram e escreveram
aos discípulos que o recebessem. Ao chegar, ele auxiliou muito os que pela
graça haviam crido. (Atos 18.27)
Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam,
dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. (Romanos 8.28)
E Isaías diz ousadamente: “Fui achado por aqueles que não me procuravam;
revelei-me àqueles que não perguntavam por mim”. (Romanos 10.20)
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E qual foi a resposta divina? “Reservei para mim sete mil homens que não
dobraram os joelhos diante de Baal.” Assim, hoje também há um
remanescente escolhido pela graça. E, se é pela graça, já não é mais pelas
obras; se fosse, a graça já não seria graça. Que dizer então? Israel não
conseguiu aquilo que tanto buscava, mas os eleitos o obtiveram. Os demais
foram endurecidos, como está escrito: “Deus lhes deu um espírito de
atordoamento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje.”
(Romanos 11.4-8)
Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos
e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos
adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da
sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente
no Amado. (Efésios 1.4-6)
Nele fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o plano
daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade, a fim de
que nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos para o louvor da sua
glória. (Efésios 1.11,12)
Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas
obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos. (Efésios 2.10)
Pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também
de sofrer por ele, já que estão passando pelo mesmo combate que me viram
enfrentar e agora ouvem que ainda enfrento. (Filipenses 1.29,30) 3
Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas na minha
presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a
salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês
tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele.
(Filipenses 2.12,13) 4
Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu porque o nosso
evangelho não chegou a vocês somente em palavra, mas também em poder, no
Espírito Santo e em plena convicção. Vocês sabem como procedemos entre
vocês, em seu favor. (1 Tessalonicenses 1.4,5)
Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para recebermos a salvação por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo. (1 Tessalonicenses 5.9) 5
Mas nós devemos sempre dar graças a Deus por vocês, irmãos amados pelo
Senhor, porque desde o princípio Deus os escolheu para serem salvos
mediante a obra santificadora do Espírito e a fé na verdade. (2
Tessalonicenses 2.13) 6
Portanto, não se envergonhe de testemunhar do Senhor, nem de mim, que sou
prisioneiro dele, mas suporte comigo os meus sofrimentos pelo evangelho,
segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com uma santa
vocação, não em virtude das nossas obras, mas por causa da sua própria
determinação e graça. Esta graça nos foi dada em Cristo Jesus desde os
tempos eternos, sendo agora revelada pela manifestação de nosso Salvador,
Cristo Jesus. Ele tornou inoperante a morte e trouxe à luz a vida e a
imortalidade por meio do evangelho. (2 Timóteo 1.8-10)
Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo
de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a
sua maravilhosa luz. (1 Pedro 2.9) 7
A besta que você viu, era e já não é. Ela está para subir do Abismo e caminha
para a perdição. Os habitantes da terra, cujos nomes não foram escritos no
livro da vida desde a criação do mundo, ficarão admirados quando virem a
besta, porque ela era, agora não é, e entretanto virá. (Apocalipse 17.8) 8
Guerrearão contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos
senhores e o Rei dos reis; e vencerão com ele os seus chamados, escolhidos e
fiéis. (Apocalipse 17.14)
A Bíblia não pinta a humanidade como um grupo de pessoas se afogando no mar do
pecado, e que seriam resgatados tantos quanto queiram cooperar com Cristo. Antes,
traz a figura na qual todos os seres humanos estão mortos na água (Efésios 2.1;
Romanos 3.10), e que afundaram todos rumo ao fundo (Jeremias 17.9). Visto estarem
mortos, são incapazes de cooperar com qualquer assistência, ou mesmo de requerê-la.
Na verdade, não prefeririam ser resgatados se deixados a si mesmos (Romanos 8.7;
Colossenses 1.21). Contra uma tal situação, o Pai escolheu alguns para serem salvos
por Cristo (2 Tessalonicenses 2.13; Efésios 1.4,5) arrastando-os para fora da água
(João 6.44,65), meramente por sua própria iniciativa (Romanos 9.15). Tendo assim
agido, ele os ressuscita dos mortos para nova vida em Cristo (Lucas 15.24; Romanos
6.13).
A doutrina bíblica da eleição ensina que ainda que todos os seres humanos mereçam o
tormento sem fim no inferno devido aos pecados seus, Deus preferiu mostrar
misericórdia para com alguns deles. Ele os elegeu antes da criação do universo e da
queda do homem, e o fez sem levar em consideração de qualquer condição neles, seja
boa ou má. Tendo elegido alguns para salvação, enviou Cristo para morrer como
pagamento completo por seus pecados, de modo que Deus pode creditar a justiça
merecida por esse para eles quando vêm a Cristo. Por outro lado, aqueles que não
foram eleitos para a salvação são designados para a condenação eterna, e receberão a
punição apropriada por seus pecados, a qual é o tormento sem fim no inferno.
Responderemos agora a várias objeções. Isso também nos dá a oportunidade de
aclarar e expandir certos aspectos de tal doutrina.
Muitos daqueles que se recusam a aceitar o ponto de vista bíblico da eleição
asseveram que Deus de fato escolheu alguns para salvação, mas a base para tal
escolha foi seu CONHECIMENTO ANTECIPADO. Isto é, ele sabia de antemão
quais indivíduos livremente aceitariam Cristo, e sobre essa base ele os elegeu. Tal
opinião antibíblica destrói o significado de eleição, visto querer dizer que Deus não
elege as pessoas para a salvação em absoluto, mas que simplesmente aceita as
escolhas daqueles que a si mesmo escolheram para salvação.
Quando a locução “conhecimento antecipado” é usada da maneira acima, está se
referindo à percepção cognitiva divina dos fatos futuros, tais como as decisões e as
ações dos indivíduos. Desse modo, os proponentes desse ponto de vista definem o
conhecimento divino antecipado como presciência. Além disso, fica suposto que tal
conhecimento é passivo, de modo que não é Deus que causa os eventos futuros que
ele sabe, mas que ele passivamente entende o que suas criaturas farão acontecer. No
trecho seguinte, estarei mostrando que definir “conhecimento antecipado” como
presciência passiva gera problemas insuperáveis, e que o termo significa algo
diferente na Bíblia.
Primeiramente, já expusemos que todo ser humano é em si mesmo tanto incapaz
quanto nada disposto a vir a Cristo para salvação; uma pessoa pode e vai vir a Cristo
somente se o Pai a capacitar e a compelir a assim fazer (João 6.44,65). Provamos
ainda que o Pai não capacita nem compele todo ser humano a vir a Cristo. Isso
significa que uma pessoa vem a Cristo somente porque o Pai o leva a assim agir.
Visto que isso é verdadeiro, então dizer que a eleição é baseada na presciência divina
das decisões futuras do homem é somente dizer que Deus conhece quem ele mesmo
fará com que aceite Cristo, e que tal presciência não seria passiva. Se Deus elege uma
pessoa porque sabe que essa aceitará Cristo, mas se tal pessoa aceitá-lo somente
porque Deus a levará a isso, então dizer que Deus sabe que ela o fará é o mesmo que
dizer que ele sabe que levará essa pessoa a aceitar Cristo. A eleição divina dela, então,
ainda está baseada em sua decisão soberana de elegê-la para a salvação, e não num
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conhecimento antecipado passivo de que ela aceitará Cristo sem que Deus a leve a
assim fazer.
Isso é o que a Bíblia ensina, mas então significa que a presciência divina não é um
conhecimento passivo do que uma pessoa decidirá ou executará, mas que é um
conhecimento do que Deus a levará a decidir ou executar. A presciência divina é uma
forma do autoconhecimento de Deus — um conhecimento dos seus próprios planos, e
um conhecimento do que ele realizará no futuro. Portanto, dizer que a eleição é
baseada na presciência não desafia nossa posição absolutamente, visto que o
conhecimento divino do futuro nunca é passivo, mas é ele mesmo que causa todas as
coisas que ele sabe que acontecerá no futuro (Isaías 46.10).
Em segundo lugar, a Bíblia declara que a eleição divina não está baseada nas decisões
ou ações do homem, que Deus não elege alguns para a salvação devido ao que essa
pessoa decidirá ou fará.
Pois ele diz a Moisés: “Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia, e terei
piedade de quem eu tiver piedade.” Não depende, portanto, daquele que quer, nem
daquele que corre, mas de Deus que faz misericórdia... De modo que ele faz
misericórdia a quem quer e endurece ele quer. (Romanos 9.15-16, 18; Bíblia de
Jerusalém)
A eleição divina não é baseada numa presciência passiva, e, em primeiro lugar, a
presciência divina não é passiva. Deus escolhe uma pessoa porque quer escolher
aquela pessoa, e sabe que ela crerá no evangelho por saber quem ele fará crer no
evangelho.
Em terceiro lugar, definir o conhecimento divino antecipado como presciência
passiva, na verdade, não logra fazer sentido com as passagens bíblicas que dizem que
a eleição divina é baseada em conhecimento antecipado:
Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou,
também justificou; aos que justificou, também glorificou. (Romanos 8.29,30)
Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos de Deus, peregrinos dispersos no
Ponto, na Galácia, na Capadócia, na província da Ásia e na Bitínia, escolhidos
de acordo com o pré-conhecimento de Deus Pai, pela obra santificadora do
Espírito, para a obediência a Jesus Cristo e a aspersão do seu sangue: Graça e
paz lhes sejam multiplicadas. (1 Pedro 1.1,2)
Nossos adversários interpretariam essas duas passagens como dizendo que a eleição
divina está baseada em conhecimento antecipado no sentido de presciência passiva;
isto é, Deus escolhe aqueles a quem ele passivamente sabia que aceitaria Cristo.
Ora, a estrutura de Romanos 8.29,30 necessariamente implica que todos os indivíduos
incluídos numa fase da ordem de salvação também entrariam em todas as fases
subseqüentes, e que todos os indivíduos em qualquer fase da ordem de salvação estão
também incluídos em todas as fases anteriores. Desse modo, todos aqueles de
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antemão conhecidos foram também predestinados; todos aqueles predestinados são
também chamados; todos aqueles chamados são também justificados; e todos aqueles
justificados são também glorificados.
Michael Magill traduz a passagem como segue:
Porque a quem Ele conheceu de antemão, [os tais] Ele também predestinou...
E a quem Ele predestinou, os tais Ele também chamou
E a quem Ele chamou, aos tais Ele também declarou justos
E a quem Ele declarou justo, aos tais Ele também glorificou 9
Logo, seja o que for que o conhecimento antecipado queira dizer, todos os que são
conhecidos de antemão por Deus são também por ele justificados. Entretanto, a
passagem não diz que é a fé ou as escolhas das pessoas que são antecipadamente
conhecidas por Deus, mas sim as pessoas. Nossos adversários assumem que o
conhecimento de antemão significa presciência nessa passagem. Mas visto serem as
pessoas que são conhecidas antecipadamente, visto ser o conhecimento divino do
futuro exaustivo, e visto que todos os que são de antemão conhecidos são também
justificados, então necessariamente segue que se alguém define conhecimento de
antemão como presciência nessa passagem, deve ele também entenda-lo como
ensinando a salvação universal.
Ou seja, se conhecimento de antemão aqui se refere àquele de Deus sobre os fatos
futuros (especialmente uma presciência passiva), se é ele aplicado a pessoas nesta
passagem e não à sua fé ou às suas escolhas, se Deus sabe sobre todos os seres
humanos, e se todos os que são conhecidos por antecipação são justificados, então
todos os seres humanos são também justificados; por conseguinte, o conhecimento de
antemão quando relacionado à divina eleição, e quando usado nesta passagem em
particular, não pode querer dizer presciência (especialmente uma de tipo passivo). O
conhecimento antecipado deve significar alguma coisa a mais.
Provaremos que, em um contexto salvífico, o “conhecimento” divino faz alusão a sua
soberana escolha e afeição propositada por pessoas e não à sua percepção passiva dos
fatos. Por exemplo, Mateus 7.23 diz: “Então eu lhes direi claramente: Nunca os
conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!” Visto Jesus como Deus é
onisciente, “nunca os conheci” não pode significar que ele nunca tivesse estado a par
da existência, dos pensamentos e das ações dessas pessoas. Na verdade, ele sabe que
“praticam o mal.” Portanto, a negação do “conhecimento” aqui é uma negação de uma
relação salvífica, e não uma percepção passiva dos fatos. Em conseqüência,
“conhecimento de antemão” referir-se-ia a um relacionamento salvífico estabelecido
na mente divina antes da existência dos indivíduos eleitos; ou seja, quer dizer ordenar
de antemão.
Muitas passagens bíblicas empregam o conceito de antemão neste sentido. Por
exemplo, Deus diz a Jeremias*: “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te
conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as
nações.” Naturalmente Deus conheceria uma pessoa a quem ele mesmo se propôs
criar; isto é, Deus conhece seus próprios planos. O principal sentido aqui é que antes
que Jeremias fosse concebido, Deus o escolheu — não que Deus se agradou com o
que passivamente soube acerca de Jeremias, mas que ele o designou e o fez.
O conhecimento divino antecipado como eleição e ordenação de antemão fica mais
evidente pelo paralelismo das linhas neste versículo. Quando uma linha ou expressão
é posta em paralelo com uma outra linha ou expressão em um versículo, uma parte
expande ou esclarece o significado da outra. Por exemplo, “pois foi ele quem fundoua
sobre os mares e firmou-a sobre as águas” não necessariamente quer dizer que além
de haver fundado-a “sobre as águas”, ele também “firmou-a” sobre essas. Antes,
“firmou-a sobre as águas” porta um significado similar a “fundou-a sobre os mares”, e
ajuda a esclarecê-lo. Um outro exemplo vem da Oração Dominical, onde Jesus diz:
“Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal” (Mateus 6.13). Não é que
devemos pedir a Deus para livrar-nos “do mal” além de não nos deixar “cair em
tentação”, mas que “livra-nos do mal” é o que significa “não nos deixe cair em
tentação”.
Com isso em mente, o paralelismo na chamada divina de Jeremias ajuda-nos a aclarar
o significado de “eu te conheci.” Repetindo, Jeremias 1.5 diz: “Antes mesmo de te
formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu
te constituí profeta para as nações.” Ou então, podemos traduzir assim o versículo:
Eu te conheci antes que te formasse no útero,
Eu te consagrei antes que tivesses nascido;
Eu te constituí um profeta às nações.
As palavras “eu te conheci” corresponde a “eu te consagrei” e “eu te constituí,” e as
três expressões carregam significados similares. Pois Deus conhecer Jeremias no
sentido aqui proposto é consagrá-lo e constituí-lo para o próprio propósito divino.
S. M. Baugh também usa essa passagem para ilustrar o sentido do conhecimento
antecipado de Deus, e escreve:
Um outro exemplo notável do conhecimento divino de antemão está expresso
em Jeremias 1.5, onde Deus diz a Jeremias:
Eu te conheci antes mesmo de te formar no ventre materno,
Eu te consagrei antes que saísses do seio.
Eu te constituí profeta para as nações.
As primeiras duas linhas são estritamente paralelas no número de sílabas e na
ordem das palavras...
Mas como pôde Deus ter conhecido Jeremias antes mesmo de concebido?
Porque ele pessoalmente formou seu profeta, como a Adão do pó (Gn 2.7), e
todas as pessoas (Sl 139.13-16; Is 44.24). Deus soube de antemão não apenas
a possibilidade da existência de Jeremias — de fato ele conhece todas as
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possibilidades — mas o conheceu por nome antes de ser concebido, pois sabia
como ele formaria e moldaria sua existência. 10
Huey escreve: “Aqui está envolvida um relacionamento de escolha (Gn 18.19; Dt
34.10). O Senhor estava pensando acerca de Jeremias antes desse nascer. Naquele
tempo Deus já o tinha designado para ser um profeta”. 11
O ponto é que o conhecimento antecipado de Deus refere-se a um relacionamento
pessoal originado por sua soberana decisão, e não por uma passiva percepção das
futuras pessoas e eventos. Visto que nada ocorre fora de seu decreto ativo (Mateus
10.29), seu conhecimento do futuro está arraigado em sua vontade soberana. O
Evangelical Dictionary of Theology diz: “O conhecimento divino de antemão
permanece relacionado ao seu querer e poder. O que ele sabe, ele não o sabe
meramente como informação. Ele não é mero espectador. O que ele antecipadamente
conhece, ordena. Ele o quer”. 12
No Dictionary of Paul and His Letters, J. M. Gundry-Volf escreve:
Em vez de se referir a conhecimento especulativo ou neutro (i.e.,
conhecimento de quem acreditará), a noção paulina do conhecimento divino
antecipado é entendida por muitos intérpretes como um saber no sentido
semítico de reconhecer, ter propensão a alguém, conhecimento o qual expressa
um movimento do querer estendendo a mão para o relacionamento pessoal
com alguém. Tal espécie de conhecimento é ilustrado pelo significado do
hebraico yada, “conhecer,” em textos como os de Amós 3.2; Oséias 13.5; e
Jeremias 1.5... No emprego que Paulo faz de proginosko o aspecto de prétemporalidade
adiciona-se ao sentido hebraico de “conhecer” como “ter
consideração por” ou “favorecer a.” O resultado é um verbo que alude à
eterna eleição do amor divino. 13
O artigo sobre conhecimento antecipado em The International Standard Bible
Encyclopedia ajuda a reforçar vários pontos que estamos discutindo:
A teologia arminiana, em todas as suas variantes, propugna que o
conhecimento antecipado de Deus é simplesmente um conhecimento
presciente, um saber de antemão se uma dada pessoa crerá em Cristo ou
rejeita-lo-á. A eleição divina, portanto, diz-se ser simplesmente a escolha de
Deus para a salvação daqueles que Ele sabe antecipadamente que preferirão
crer em Cristo. Ele prevê a ação livre contingente da fé e, prevendo quem
crerá em Cristo, elege-os porque eles assim o fazem. Mas isso destrói o
ponto de vista bíblico da eleição. No pensamento bíblico a eleição significa
que Deus elege pessoas, não que elas o elegem. Na Escritura é Deus que em
Cristo decide por nós — não nós que, fazendo uma decisão por Cristo,
decidimos por Deus.
A teologia reformada propugna que o conhecimento divino antecipado contém
o ingrediente da determinação divina. Os reformadores sustentavam que de
fato Deus sabe de antemão quem crerá, porque crer em Cristo não é uma
realização pessoal, mas um dom divino comunicado aos homens pela graça
divina e pelo Espírito. Desse modo, esse conhecimento antecipado não é
meramente presciência, mas um conhecimento que por si mesmo determina o
evento. Ou seja, no pensamento reformado o que Deus sabe por antecipação,
ele ordena de antemão...
Que o conhecimento antecipado divino contenha a idéia da determinação
divina não repousa meramente em uns poucos textos bíblicos, mas reflete uma
verdade acerca de Deus que vem a expressar-se numa variedade de conceitos
bíblicos descritivos do caráter misterioso e singular das ações divinas. Esse
conhecimento é por si próprio uma forma de determinação que explica a
realidade daquilo que é divinamente sabido de antemão...14
Assim, é um engano definir conhecimento antecipado como presciência passiva,
porque a Bíblia quer dizer algo mais com esse termo.
Agora que esclarecemos o significado de conhecimento antecipado, devemos aplicar a
definição correta à passagem em disputa, que lemos:
Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou,
também justificou; aos que justificou, também glorificou. (Romanos 8.29,30)
A respeito dessa passagem, Baugh escreve:
A interpretação armininana clássica de Romanos 8.29, que o conhecimento
antecipado de Deus da fé é que está em vista, está claramente lendo a própria
teologia no texto. Paulo não diz: “cuja fé ele soube antecipadamente,” mas
“quem ele conheceu de antemão.” Ele nos conheceu antecipadamente...
Porém, em Romanos 8.29, a predestinação não depende da fé; antes, Deus
nos predestina sobre a base de seu gracioso compromisso para conosco antes
que houvesse o mundo...
Talvez uma outra tradução expresse melhor o conceito por trás de Romanos
8.29: “Aqueles a quem ele previamente se devotou...” Repetindo, isso não é
dizer que o conhecimento antecipado de Deus está vazio da cognição
intelectual; ter uma relação pessoal com alguém, como uma relação
marital, inclui conhecimento acerca daquela pessoa... Deus nos conheceu de
antemão porque moldou a cada um de nós pessoal e intimamente de acordo
com seu plano...
Que Paulo se refere a esse conceito de um relacionamento com compromisso
na frase a quem ele de antemão conheceu em Romanos 8.29 é confirmado
pelo contexto...
Confirmação adicional de “conhecimento de antemão” em Romanos 8.29
como aludindo a um compromisso prévio é encontrado em uma passagem
próxima, Romanos 11.1,2, onde proginosko só pode ter esse sentido: “Deus
não rejeitou seu povo, rejeitou? De jeito nenhum! Pois eu também sou um
israelita... Deus não rejeitou seu povo a quem dantes conheceu”. Como em
Romanos 8.29, o objeto do conhecimento antecipado são as pessoas
mesmas em vez de eventos históricos a fé de uma pessoa em particular...
A noção arminiana de “fé prevista” é impossível como interpretação do
conhecimento antecipado em Romanos 11.1,2 e, por conseguinte, na passagem
anterior, Romanos 8.29, também o é. A última explica que Deus iniciou uma
relação de compromisso desde a eternidade com certos indivíduos a quem
predestinou por graça. 15
F. F. Bruce concorda, dizendo que “o conhecimento divino antecipado aqui tem a
conotação de ser a graça eletiva freqüentemente subentendida pelo verbo ‘conhecer’
no Antigo Testamento. Quando Deus tem conhecimento das pessoas dessa maneira
especial, ele põe sobre elas sua preferência.”16
Douglas Moo também defende que conhecimento antecipado tem o sentido de ordenar
de antemão quando utilizado em Romanos 8.29:
No [armininanismo] a resposta humana de fé torna-se o objeto do
“conhecimento antecipado” divino; e tal conhecimento, por sua vez, é a base
para a predestinação: pois “a quem ele dantes conheceu, ele predestinou.”
Porém, considero improvável que seja ela a correta interpretação. (1) O uso do
verbo no NT e seu substantivo cognato não se conforma ao padrão geral de
utilização... os três outros além da ocorrência neste texto, todos os quais têm a
Deus como seu sujeito, não querem dizer “conhecer dantes” — no sentido de
conhecimento intelectual, ou cognição — mas “entrar antes em
relacionamento com” ou “escolher, ou determinar, antes” (Rm 11.2; 1Pd 1.20;
At 2.23; 1Pd 1.2). (2) Que o verbo aqui contenha esse sentido bíblico
particular de “conhecer” é sugerido pelo fato de que ele tem um objeto pessoal
simples. Paulo não diz que Deus soube de algo sobre nós mas que nos
conheceu, e isso é reminiscência do sentido de “conhecer” no AT. (3) Além do
mais, é somente alguns indivíduos... que são objetos de sua atividade; e isso
mostra que uma ação aplicável apenas aos cristãos deve estar indicada pelo
verbo. Se, então, a palavra significa “conhecer intimamente”, “ter
consideração por”, tal deve ser um conhecimento ou amor que é peculiar aos
crentes e que os leva a serem predestinados. Sendo esse o caso, a diferença
entre “conhecer ou amar de antemão” e “escolher antecipadamente”
praticamente deixa de existir.17
Ainda que o conhecimento antecipado em Romanos 8.29 não pode querer dizer
presciência passiva, John Murray propugna que mesmo que fosse esse o caso, isso
ainda assim não desafia a doutrina da eleição:
Pois certamente é verdade que Deus prevê a fé; ele prevê tudo que acontece. A
questão então seria simplesmente: de onde provém essa fé que Deus prevê? E
a única resposta bíblica é que a fé que ele prevê é a que ele mesmo cria...
Logo, o interesse é simplesmente de interpretação, como ela deve ser aplicada
a essa passagem... Sobre fundamentos exegéticos, devemos rejeitar a opinião
de que “dantes conheceu” refere-se à previsão de fé...18
Como diz Nelson’s Illustrated Bible Dictionary, “em Romanos 8.29 e 11.2, o uso da
locução dantes conheceu pelo apóstolo Paulo tem o sentido de ‘escolher’ ou ‘pôr
especial afeto sobre.’ O amor eletivo de Deus, não a previsão da ação humana, é a
base de Sua predestinação e salvação”. 19
Alguns que não concordam com esse entendimento de conhecimento antecipado
argumentam que, se esse conhecimento em Romanos 8.29 significa ordenação de
antemão, então seria redundante traduzir a palavra “predestinado”, visto que o
versículo diz: “Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou.”
Parece que as duas palavras estão se referindo a conceitos separados no verso; logo,
argumentam que devemos adotar a presciência passiva como a definição de
conhecimento antecipado.
Entretanto, eles falham em não ler o versículo cuidadosamente. Se a locução dantes
conheceu significa ordenado de antemão ali, ela seria uma referência à obra divina de
eleição, ou seja, sua escolha de indivíduos específicos a quem ele salvaria. Então, o
versículo diz que esses a quem Deus elegeu, ele também predestinou, não para repetir
o conceito de eleição, mas que ele expõe uma “destinação” ou intenção
antecipadamente para os eleitos — a saber, a vontade divina é para eles “serem
conformes à imagem de seu Filho.” Conhecimento antecipado nesse versículo referese
à eleição divina de indivíduos para a salvação, e a predestinação revela o propósito
específico ou fim que Deus tem designado para seus eleitos.
Em outras palavras, Deus não apenas escolhe os eleitos para receberem salvação do
pecado, mas também para tornarem-se semelhantes a seu Filho, Jesus Cristo. O
versículo está dizendo que as mesmas pessoas a quem Deus elegeu são também
aquelas a quem ele deu a “destinação” ou propósito de se tornarem como Cristo, e que
ele tomou uma tal decisão antecipadamente, e assim os “predestinou.”
Em conseqüência, escreve Gundry-Volf:
Paulo faz distinção entre o conhecimento divino antecipado e a predestinação
divina em Romanos 8.29: “aqueles a quem ele dantes conheceu, também
predestinou.” Enquanto o conhecimento de antemão indica o exercício da
vontade de Deus para estabelecer um relacionamento especial com aqueles a
quem ele graciosamente elegeu antes dos séculos, a predestinação expressa a
nomeação daqueles para uma meta específica antes dos séculos... Em
Romanos 8.29 tal meta é a conformidade com a imagem do Filho, uma
referência à salvação final dos eleitos. O conhecimento de antemão, como
escolha divina, é dessa forma a base da predestinação para a glorificação com
Cristo. Esse conhecimento não deve ser compreendido como previsão da fé de
modo que se distinga da predestinação. 20
Baseado nas observações e argumentos acima, é necessário entender conhecimento de
antemão em Romanos 8.29 como ordenação antecipada. Kenneth Wuest reconhece
isso, e traduz os versículos 29 e 30 como segue:
Porque, aqueles a quem Ele de antemão ordenou também dantes marcou
como aqueles que eram para serem conformados à imagem derivada de Seu
Filho, resultando que Ele é o primogênito entre muitos irmãos. Além disso,
aqueles a quem Ele assim assinalou antecipadamente, aos tais Ele também
chamou. E aqueles a quem chamou, aos tais também justificou. Além do mais,
aqueles a quem Ele justificou, também aos tais glorificou. 21
A locução “ordenou de antemão” aqui corresponde a conhecimento antecipado, e a
frase “dantes marcou” corresponde a predestinação. De modo similar, tais versículos
no NT grego se traduzem como segue:
Aqueles a quem Deus já havia escolhido ele também reservou para tornaremse
como seu Filho, de modo que o Filho pudesse ser o primeiro entre muitos
crentes. E assim aqueles a quem Deus reservou, chamou; e àqueles que
chamou, ele pôs em retidão consigo mesmo, e compartilhou sua glória com
eles.
Podemos ademais confirmar tal entendimento de conhecimento antecipado
examinando Atos 2.23 e 4.28. O primeiro versículo diz: “Este homem lhes foi
entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a
ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz.” Isso não significa que
Deus estivesse passivamente a par do que os homens fariam a Jesus, mas que seu
sofrimento era na verdade “propósito determinado” divino, que é também o sentido de
conhecimento antecipado aqui. Atos 4.28 também se refere à morte de Cristo, mas
diz: “Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que
acontecesse.” Mas acabamos de ver que em 2.23 Pedro credita o incidente ao
“propósito determinado” e “pré-conhecimento” de Deus. É evidente que tais termos
tem sentidos equivalentes, de modo que o conhecimento antecipado dele faz
referência a seu “propósito determinado” ou ao que ele “decidiu de antemão.” Na
realidade, as palavras de 4.28 nos dão uma boa definição do conhecimento antecipado
de Deus — é o que o seu “poder” e a sua “vontade haviam decidido de antemão que
acontecesse.” Como escreve Martinho Lutero: “É, então, fundamentalmente
necessário e salutar para os cristãos saber que Deus não conhece nada de antemão de
modo contingente, mas que Ele prevê, tenciona e faz todas as coisas de acordo com
Sua própria vontade imutável, eterna e infalível”. 22
Sem mais argumentação, podemos concluir que o conhecimento antecipado em 1
Pedro 1.2 também não pode fazer alusão a uma presciência passiva. O versículo diz
que somos “escolhidos de acordo com o pré-conhecimento de Deus Pai.”
Naturalmente o somos — o versículo quer dizer que os cristãos foram escolhidos e
ordenados por antecipação para salvação pela soberana vontade divina.
Muita gente faz a observação de que a eleição bíblica contradiz o “livre arbítrio” do
homem, e visto insistirem em que o homem tem livre arbítrio, eles conseqüentemente
recusam as doutrinas da soberania absoluta e da divina eleição como apresentada
neste livro. Contra tal objeção, podemos simplesmente responder que os seres
humanos não têm livre arbítrio em absoluto. Ainda que muitos cristãos suponham que
eles o possuam, essa é uma noção pagã que não consegue achar apoio algum na
Bíblia. 23
R. K. McGregor define “livre arbítrio” como segue: “Pelo termo livre arbítrio quero
dizer a crença de que a vontade humana tem um poder inerente de escolher com igual
facilidade entre alternativas. Isso é comumente chamado ‘o poder de escolha
contrária’ ou ‘a liberdade de indiferença...’ Definitivamente, a vontade fica livre de
qualquer causação necessária. Em outras palavras, ela é autônoma de determinação
exterior.”24 Livre arbítrio subentende “a ausência de qualquer poder controlador, até
Deus e sua graça, e por conseqüência a igual faculdade em qualquer situação de
escolher um curso de ação dentre dois que sejam incompatíveis entre si.”25
Assumindo uma tal definição, afirmo que o homem não tem livre arbítrio.
Em primeiro lugar, é impossível para seres finitos terem livre arbítrio. Se pensarmos
no exercício da vontade como o movimento da mente rumo a uma certa direção,26
surge a questão quanto ao que move a mente, e por que ela se move em direção aonde
se move. Mesmo se supormos que a mente possa mover-se por si própria, ainda nos
fica a questão do porquê dela mover-se à uma dada direção, isto é, porque escolhe
uma opinião em vez de uma outra. Se se traça o movimento e a direção da mente a
fatores externos à própria mente — fatores que se inculcam sobre a consciência
vindos de fora, e assim influenciando ou determinando a decisão — então como esse
movimento da mente é livre? Por outro lado, se se traça a causa às propensões inatas
da pessoa, então tal movimento da mente, igualmente, não é livre, visto que tais
inclinações embutidas não foram livremente escolhidas (ou seja, sem influências
externas) pela pessoa em primeiro lugar, todavia determinam as decisões que ela
toma. Se as decisões de uma pessoa são determinadas por uma mistura de propensões
inatas e influências externas, fica que ela não tem livre arbítrio.
Se a mente toma decisões baseada em fatores, causas e influências não escolhidas pela
mente mesma, então tais decisões não são livres. Ainda que possamos afirmar que o
homem tenha uma vontade, de modo que a mente possa realmente mover-se para
diferentes opções, a faculdade e a razão para tal movimento nunca é determinada pela
mente em si própria, mas por alguma outra coisa que não ela mesma. Visto tal ser
verdade para todos os seres finitos, segue que somente Deus possui livre arbítrio.
Como Lutero escreve contra o humanista Erasmo:
É uma verdade estabelecida, então... que fazemos todas as coisas por
necessidade, e nenhuma por “livre arbítrio”; pois o poder de “livre arbítrio” é
nada... Segue, portanto, que “livre arbítrio” é obviamente um termo aplicável
somente à Majestade Divina; pois apenas Ele pode fazer, e faz (como canta o
salmista) “tudo o que deseja, no céu e na terra”. Se é atribuído o “livre
arbítrio” aos homens, o é com não mais propriedade do que à divindade
mesma o seria — e nenhuma blasfêmia poderia exceder a isso! 27
Ninguém sob o domínio do pecado pode simplesmente “decidir” ficar livre dele sem a
intervenção divina, nem a pessoa desejaria ficar liberta dele antes que uma tal
intervenção ocorra. A salvação é totalmente a obra de Deus, de modo que ninguém
pode se orgulhar de suas obras ou mesmo de seu “bom senso” no que tem “escolhido”
(João 15.16; Efésios 2.8). Mesmo após alguém haver se tornado cristão, “é Deus
quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade
dele” (Filipenses 2.13).


A Escritura ensina que Deus é quem determina os pensamentos e decisões do homem.
Ele exerce controle imediato sobre a mente desse, e determina todas as propensões
inatas e fatores externos relevantes a ele. É Deus quem forma uma pessoa no útero,
que determina suas disposições íntimas, e que dispõe suas circunstâncias exteriores
pela divina providência. É verdade que a doutrina da eleição contradiz o livre arbítrio
do homem, 28 mas isso é uma invenção humana — uma suposição ou aspiração
pecaminosa — e não um conceito escriturístico. Logo, a objeção do “livre arbítrio”
contra a eleição divina erra porque não há livre arbítrio.
Muitos pensam que há uma contradição entre a soberania divina e a responsabilidade
humana. Supõe que a segunda pressuponha a autonomia humana, ou livre arbítrio.
Mas se Deus tem controle absoluto e penetrante sobre todas as decisões e ações
humanas, então o homem não é livre e, portanto, aquelas duas não se afiguram estar
em conflito.
Ora, a primeira definição de “responsável” no Webster’s New World College
Dictionary é “de quem se espera ou que está obrigado a prestar contas (por alguma
coisa, para alguém); quem responde; quem explica.”29 Independente de o homem ser
livre ou não, dele certamente “se espera ou está obrigado a prestar contas” por suas
ações a Deus. Diz a Bíblia: “Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito,
inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mau” (Eclesiastes 12.14). Ele
recompensará o justo e punirá o ímpio; logo, o homem é responsável.
O homem é responsável precisamente porque Deus é soberano, visto que ser
responsável significa nada mais do que ser considerado alguém que presta contas de
suas próprias ações, que vai ser recompensado ou punido de acordo com um dado
padrão de certo e errado. A responsabilidade moral tem tudo a ver se Deus decidiu
julgar o homem e se ele tem o poder e a autoridade para fazer cumprir uma tal
decisão, mas isso não depende de qualquer “livre arbítrio” no homem. Esse é
responsável porque Deus recompensará a obediência e punirá a rebelião, mas tal não
supõe em hipótese alguma que esteja livre para obedecer ou se rebelar.
Diz Romanos 8.7: “a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete
à Lei de Deus, nem pode fazê-lo.” O homem é responsável por seus pecados não
porque seja livre ou capaz de não cometê-los; esse versículo diz que ele não o é. Mas
o homem é responsável porque Deus decidiu julgá-lo por seus pecados. Portanto, a
responsabilidade humana não pressupõe a autonomia humana ou o livre arbítrio, mas
a absoluta soberania divina. Essa contradiz a autonomia, mas não a responsabilidade
humana. 30
Para muitas pessoas, a questão agora se torna de justiça. Insistem elas que seria
injusto para Deus condenar aqueles pecadores que nunca foram livres para decidir ou
fazer de outra forma, e que foram criados para e predestinados à condenação eterna
por ele em primeiro lugar. Visto que tal objeção será relevante quando discutirmos a
doutrina da condenação, trataremos dela lá.
Alguns acham impossível negar que a Bíblia de fato ensine a eleição divina, e que
essa é para a salvação; contudo, não estão preparados para afirmar que Deus escolhe
indivíduos específicos. Eles sugerem que ele de fato elege alguns para a salvação, mas
que essa eleição é coletiva em sua natureza. Alegam que Efésios 1.4 apóia tal posição:
“Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo.” Visto que o versículo
diz que a eleição divina é em Cristo, a objeção contra a eleição de indivíduos para a
salvação é que o objeto da eleição é Cristo, e qualquer um que venha a Cristo torna-se
um dos eleitos.
Contudo, Paulo escreve em 1 Coríntios 1.27-30: “Mas Deus escolheu... a fim de que
ninguém se vanglorie diante dele. É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em
Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e
redenção.” O apóstolo diz que é Deus quem fez a escolha em eleição para que
“ninguém se vanglorie diante dele.” Contra aqueles que dizem que somente Cristo é o
objeto da eleição, e que qualquer um que venha a ele torna-se eleito de Deus, a
passagem diz: “É... por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus.” Ele escolhe
quem se torna “em Cristo” e, por conseguinte, a eleição divina é realmente uma
seleção de indivíduos.
Além do mais, a eleição coletiva falha ao explicar porque qualquer um quereria vir a
Cristo sem ter sido individualmente escolhido e então “arrastado” a ele por Deus.31
Conforme o que já provamos acerca da depravação do homem e de sua escravidão ao
pecado, se Cristo devesse ser o único objeto da eleição, ninguém entraria a ele, e
ninguém seria salvo. Para uma dada pessoa ser salva, Deus deve primeiro escolher e
então direta e poderosamente agir sobre sua mente. Portanto, concluímos que a
eleição divina consiste da escolha de indivíduos por Deus para a salvação, e não a
igreja coletivamente ou Cristo.
Em todo caso, é possível refutar a eleição coletiva diretamente lidando com a
passagem em questão. Efésios 1.4-6 diz:
Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos
e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos
adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da
sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente
no Amado.
O versículo 4 diz que ele nos escolheu “nele,” com o objeto da seleção divina como
“nós” e não Cristo. Isto é, diz que ele “nos escolheu,” e não que ele “o escolheu.” O 5
exclui a eleição coletiva quando diz que “em amor nos predestinou para sermos
adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo.” Deus nos predestinou — não Cristo,
mas os indivíduos — para sermos adotados como filhos seus por meio de Jesus Cristo.
Da mesma forma, diz o verso 6 que “nos deu gratuitamente no Amado.” Deus nos dá
salvação em Cristo; ele não dá salvação a Cristo e então nos espera para entrarmos a
Cristo por algum tipo de auto-eleição.
Cristo é de fato o eleito ou escolhido para nos conseguir salvação, mas não é ele o
eleito quando alguém vem a receber salvação. A eleição no contexto da salvação
refere-se a indivíduos que Deus escolheu para salvar por meio de Jesus Cristo. Ele é o
escolhido para salvar, e os eleitos são os escolhidos para serem salvos. O “nele” no
versículo 4 corresponde ao “por meio de Jesus Cristo” no 5 e ao “no Amado” no
versículo 6, com todas as três expressões aludindo a ele como o meio de salvação, e
não o objeto da salvação.
Uma outra objeção contra a doutrina bíblica da eleição divina é que ela destrói a razão
ou o motivo para se fazer evangelismo. Parece a alguns que, se Deus predetermina as
identidades daqueles que serão salvos, isso faria com que a obra de evangelismo
ficasse sem sentido.
Superficialmente, isso parece ser uma objeção que surge de uma preocupação nobre e
piedosa por evangelismo, mas a suposição é que a única razão ou motivo suficiente
para se obedecer à ordem divina de evangelizar é que desobedecê-la resultará na
condenação eterna de muitos.
Em outras palavras, alguém que faça tal objeção contra a eleição divina está
subentendendo que somente vê sentido em obedecer a Deus em pregar o evangelho
apenas se sua desobediência levar sua potencial audiência a sofrer o tormento sem fim
no inferno. Ainda que Deus tenha-lhe ordenado pregar o evangelho, ele não tem
incentivo algum em fazê-lo a menos que saiba que as outras pessoas serão condenadas
para sempre por sua desobediência. A menos que seu papel na salvação ou
condenação dos outros seja determinante, para ele não há significado em obedecer à
ordem divina. Tal objeção serve para expor a depravação moral de quem a levanta,
mas não oferece desafio algum à doutrina da eleição.
Os cristãos fiéis podem afirmar que o mandamento de Deus de pregar o evangelho é
mais do que suficiente para dar sentido e propósito ao evangelismo. Suas ordens são
inerentemente cheias de sentido, e demandam obediência. Além disso, devemos
compreender que ele controla tanto os meios quanto os fins. Ele não somente
determina o que ele quer que aconteça, mas também como ele quer que aconteça, e
decidiu que os crentes seriam os meios pelos quais outros indivíduos a quem escolheu
sejam trazidos a Cristo. Devemos ser gratos por Deus usar nossa pregação como o
meio pelo qual ele chama aqueles que escolheu para salvação (2 Timóteo 2.10).
É verdade que Deus não necessita de nós: “Ele não é servido por mãos de homens,
como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as
demais coisas” (Atos 17.25). Seus mandamentos para nós nunca refletem sua
necessidade, visto não ter ele nenhuma, mas seu preceptivo querer para as nossas
vidas. Pregamos para que aqueles que estão “designados para a vida eterna” (Atos
13.48) venham a Cristo, e não porque eles perder-se-ão sem nós. Entretanto, isso
173
significa mais para algumas pessoas ter essa necessidade do que obedecer aos
mandamentos de Deus.
O outro lado da doutrina da eleição é a doutrina da REPROVAÇÃO. Assim como
Deus ativamente escolheu salvar alguns, da mesma maneira preferiu condenar o
restante da humanidade. Assim como determinou quais indivíduos específicos seriam
salvos, determinou quais indivíduos específicos seriam condenados para sempre:
O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e
outro para uso desonroso? E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar
conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira,
preparados para a destruição? (Romanos 9.21,22)
Portanto, para vocês, os que crêem, esta pedra é preciosa; mas para os que não
crêem, “a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular”, e,
“pedra de tropeço e rocha que faz cair.” Os que não crêem tropeçam, porque
desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados. (1 Pedro
2.7,8)
Muita gente tenta diluir essa doutrina dizendo que Deus meramente “ignora” os
réprobos, mas a Bíblia ensina que ele ativamente endurece seus corações contra si
mesmo e o evangelho:
Mas o SENHOR endureceu o coração do faraó, e ele não deixou que os
israelitas saíssem. (Êxodo 10.20)
Pois foi o próprio SENHOR que lhes endureceu o coração para guerrearem
contra Israel, para que ele os destruísse totalmente, exterminando-os sem
misericórdia, como o SENHOR tinha ordenado a Moisés. (Josué 11.20)
SENHOR, por que nos fazes andar longe dos teus caminhos e endureces o
nosso coração para não termos temor de ti? Volta, por amor dos teus
servos, por amor das tribos que são a tua herança! (Isaías 63.17)
Cegou os seus olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam
com os olhos nem entendam com o coração, nem se convertam, e eu os
cure. (João 12.40)
Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele
quer. (Romanos 9.18)
Que dizer então? Israel não conseguiu aquilo que tanto buscava, mas os eleitos
o obtiveram. Os demais foram endurecidos, como está escrito: “Deus lhes deu
um espírito de atordoamento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até
o dia de hoje.” (Romanos 11.7,8)
Já provamos que livre arbítrio não existe em seres finitos, e que a responsabilidade
humana não tem relação alguma com aquele. É Deus quem governa todas as coisas,
inclusive os pensamentos e as ações dos seres humanos, mas esses ainda são
174
responsáveis por seus pensamentos e ações precisamente porque Deus os mantém
responsáveis por aqueles por seu soberano poder.
A responsabilidade pressupõe a capacidade de prestação de contas, mas essa não
pressupõe faculdade ou liberdade. A capacidade de prestar contas meramente
pressupõe alguém que a exige. Visto que Deus requer essa capacidade — visto que
recompensará a justiça e punirá a impiedade — o homem é responsável. Já que Deus
é soberano, ele decide o que quer decidir, e se os seres humanos têm livre arbítrio ou
não nunca tem ele que entrar nessa discussão em nenhuma hipótese.
Imediatamente a questão torna-se de justiça. Muitas pessoas podem insistir que seria
injusto para Deus punir aqueles a quem predestinou à condenação eterna, que nunca
poderiam decidir ou fazer de modo diverso.
Paulo antecipa tal objeção em Romanos 9.19, e escreve: “Mas algum de vocês me
dirá: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Ele
retruca: “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é
formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’” (v. 20). Deus
governa por absoluta autoridade; ninguém pode parar seus planos, e ninguém tem o
direito de questionar a ele. Isso é verdade porque Deus é o criador de tudo o que
existe, e ele tem o direito de fazer o quer que deseje com sua criação: “O oleiro não
tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso
desonroso?” (v. 21).
O apóstolo continua a dizer: “E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar
conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados
para a destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua
glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a
nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os
gentios?” (vv. 22-24). Isso ainda é parte da resposta à questão do versículo 19:
“Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Paulo está
dizendo que visto ser Deus soberano, ele pode fazer o que quer que deseje, incluindo
criar alguns vasos destinados para glória, e alguns destinados à perdição eterna. Os
eleitos regozijam-se nessa doutrina; os réprobos a detestam. Seja como for, não há
nada que alguém possa fazer a esse respeito. Pedro diz, concernente àqueles que
rejeitam Cristo, que “tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também
foram destinados” (1 Pedro 2.8).
É somente devido à impiedade e irracionalidade que a questão da justiça é mesmo
trazida à baila contra a doutrina da reprovação. A objeção nessas várias formas
equivale ao seguinte:
1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A doutrina da reprovação é injusta.
3. Logo, a Bíblia não ensina a doutrina da reprovação.
A premissa (2) foi admitida sem garantia. Por qual padrão alguém deve julgar se essa
doutrina é justa ou injusta? Se a Bíblia fala dela, então não cabe a nós discutir a
questão. Por outro lado, o cristão raciocina como segue:
175
1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A Bíblia confirma a doutrina da reprovação.
3. Logo, a doutrina da reprovação é justa.
O fulcro é se a Bíblia confirma a doutrina; se for justo ou injusto não deve ser
antecipadamente assumido. Observa Calvino:
Pois tanto a vontade de Deus é a mais elevada regra de justiça que o que quer
que ele queira, pelo próprio fato dele querê-la, deve ser considerado justo.
Portanto, quando alguém pergunta por que ele assim fez, devemos responder:
porque ele o quis. Mas se você ainda prosseguir para perguntar por que ele
assim quis, você está buscando algo maior e mais elevado do que a vontade
dele, que não pode ser encontrado. Que a temeridade dos homens, então, se
refreie, e não procure o que não existe, para que talvez não fracasse em achar o
que de fato existe. 32
Ditar como a misericórdia divina deve ser dispensada é demonstração que prova a
expressa pecaminosidade e a tola audácia do homem, e não um argumento contrário
às doutrinas da eleição e da condenação.
Para melhor compreendermos a eleição e a reprovação, devemos afirmar
completamente o que a Bíblia diz a respeito da depravação humana. Por exemplo,
Romanos 3.10-12, 23 diz: “Não há nenhum justo, nem um sequer; não há ninguém
que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se
juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer... pois
todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.” Todo ser humano é um pecador,
e “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23); portanto, a justiça exige que toda
pessoa seja condenada eternamente.
As doutrinas da eleição e da reprovação não dizem que os eleitos recebem
misericórdia enquanto os não-eleitos recebem injustiça. Visto que todos os seres
humanos merecem a condenação eterna, essas doutrinas bíblicas ensinam que aqueles
a quem Deus escolheu para salvação receberão misericórdia, e aqueles a quem ele
escolheu para a perdição eterna receberão precisamente justiça — e que é por isso que
eles serão condenados. Deus não tem obrigação alguma de mostrar misericórdia a
qualquer um em absoluto, e que o faça a alguns não significa que devam merecer
misericórdia em hipótese alguma.
Uma vez que é alegado que Deus está de certo modo obrigado a ser misericordioso
para com alguns, não estamos mais falando de misericórdia, mas de justiça. Não é a
misericórdia que concede o que é requerido, mas a justiça. Receber justiça nesse caso
resulta em eterna condenação e não salvação. O que é “justo” é todos serem
condenados, visto que nossos pecados fazem com que tal seja a reta punição.
Devemos ser absolutamente gratos que Deus seja misericordioso para salvar alguns,
em vez de lhe lançarmos a blasfema acusação de ser injusto ou não suficientemente
misericordioso. Como escreve Benjamin B. Warfield:

Não colocaremos de uma vez por todas em nossas mentes que a salvação não é
direito de homem algum; que uma “oportunidade” para salvar a si próprio não
é “oportunidade” de salvação para qualquer um; e que, se alguém da
pecaminosa raça do homem é salvo, deve-o ser por um milagre da todapoderosa
graça, sobre a qual ele não tem pretensão alguma, e contemplando
isso como um fato, ele somente pode ficar cheio de adoração admirada pelas
maravilhas do inexplicável amor divino? Exigir que seja dada uma
“oportunidade” a todos os criminosos de escapar de suas penas, e que a todos
será dada uma “oportunidade igual,” é simplesmente zombar da própria idéia
de justiça, e mais, da idéia mesma de amor. 33
Ainda que não tenhamos direito de exigir uma explicação, Paulo diz-nos sim porque a
obra divina da reprovação é tanto boa quanto necessária:
E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder,
suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a
destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua
glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou
seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas
também dentre os gentios? (Romanos 9.22-24)
Deus preparou “para a destruição” certos indivíduos, de modo que possa ele “mostrar
a sua ira e tornar conhecido o seu poder.” Paulo explica que “para tornar conhecidas
as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para
glória.” Em outras palavras, a reprovação dos não-eleitos é para a expressa intenção
de tornar conhecida a glória divina aos seus eleitos.
Visto que os eleitos foram “salvos da ira de Deus” (Romanos 5.9) por Cristo, nunca
terão a oportunidade de experimentarem o aspecto colérico de sua natureza. Mas a ira
divina continua sendo um atributo essencial. Como explicado anteriormente, o amor
de Deus para com seus eleitos é caracterizado por sua boa-vontade de revelar-se a eles
(João 14.21-23, 15.15, 16.14; 1 Coríntios 2.9-12) e, por conseguinte, ele preparou os
réprobos para um tal propósito.
Já provamos que Deus tem o direito de fazer tudo o que desejar com sua criação,
exatamente como um oleiro com sua massa de argila; portanto, não se pode acusar a
Deus de ser cruel ou injusto por criar e predestinar os réprobos para o propósito
acima. Ele é a única autoridade moral, e a Bíblia o chama justo e bom; logo, tudo o
que ele diga e faça é justo e bom por definição. Segue-se que sua obra de reprovação é
assim justa e boa por definição, e ninguém pode acusá-lo de maldade — não há
padrão algum de certo e errado fora de Deus pelo qual acusá-lo de injustiça. Ele é seu
próprio padrão moral, e visto chamar a si próprio de justo, logo ele deve ser justo.
Em vez de levar-nos a questionar a justiça divina, a doutrina da reprovação deve
ademais iluminar-nos a respeito do grande amor de Deus por seus eleitos. Visto que
ele governa até os réprobos para servirem a seus próprios fins (Provérbios 16.4), e que
“faz que todas as suas obras cooperem” (Romanos 8.28, Tradução do Novo Mundo)
para o bem dos eleitos, segue-se que ele pode manipular as vidas dos réprobos de
maneira a promover o bem de seus próprios escolhidos. E a Escritura ensina que isso
é o que está sendo feito. Desse modo, a condenação dos pecadores é para o benefício
e a edificação dos cristãos, pois tal é o amor divino para com seus eleitos.

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