OS ATRIBUTOS DE DEUS
Os atributos divinos são as características de Deus, a soma das quais definem quem ele
é. O primeiro problema que se coloca é o da COGNOSCIBILIDADE de Deus. Se ele é
maior do que os seres humanos tanto em grau quanto em espécie, então surge a questão
quanto a se podemos adquirir formação confiável a seu respeito. Respondemos que,
visto que Deus fez o homem de acordo com a imagem divina, então não importa a
diferença entre eles dois, ali permanece um ponto de contato entre eles de modo que a
comunicação intelectual significante é possível. Que Deus tenha escolhido nos trazer
informações mediante a Bíblia quer dizer que a linguagem é adequada, e assim devemos
afirmar que é possível conhecer informação detalhada e confiável a respeito dele através
de sua revelação verbal.
Argumentar que o homem não possa conhecer Deus devido à diferença entre os dois é
algo que refuta a si mesmo, visto que a declaração por si própria precisa de considerável
conhecimento acerca de Deus. A pessoa que diz que ele não é conhecível está
declarando uma parte da informação acerca da natureza mesma de Deus. Porém, se
Deus é de fato não cognoscível, ninguém pode saber que ele não é passível de ser
conhecido. Que nós temos o conceito de Deus em nossas mentes e que podemos debater
a questão demonstra que Deus pode ser conhecido.
Da mesma forma, é refutar a si mesmo dizer que a linguagem humana é inadequada
para trazer informação sobre as coisas divinas, visto que a afirmação mesma traz uma
parte da informação acerca dessas, a saber, que elas são de tal natureza que dar
descrições verbais acerca delas é impossível. Visto que a declaração mesma é uma
descrição verbal a respeito das próprias coisas divinas, ela refuta a si própria61.
A Bíblia ensina que Deus revela a si mesmo através das palavras da Escritura. Isso por
si só atesta tanto a cognoscibilidade de Deus quanto a adequação da linguagem humana.
Deus é capaz de dizer-nos a respeito de si mesmo, e somos capazes de entender o que
ele comunica. Logo, ele é conhecível, e escolheu contar a nós sobre as divinas coisas
através da comunicação verbal, em vez de por experiências religiosas ou intuição. Desse
modo, objeções contra a cognoscibilidade de Deus e a adequação da linguagem vai de
encontro à cosmovisão bíblica, e deve confrontar os argumentos em prol da fé cristã
apresentados na seção anterior deste livro.
Após determinar a cognoscibilidade de Deus, a próxima questão lógica é quanto
podemos saber acerca dele. A Bíblia ensina a INCOMPREENSIBILIDADE divina. O
Salmo 145.3 diz que “é insondável”* sua grandeza, e o apóstolo Paulo escreve em
Romanos 11.33, “Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos!” Deus é infinito
e nós, finitos; portanto, nunca podemos saber tudo sobre ele.
Mas só porque não podemos saber tudo a seu respeito, isso não quer dizer que não
possamos conhecer algo sobre ele. Em nosso contexto, “compreender” significa ter um
completo entendimento de Deus. Tal é impossível para seres finitos, incluindo aí os
anjos, feitos sem pecado. Não importa quanto a seu respeito possamos saber, haverá
sempre mais para se conhecer sobre ele.
Visto ser Deus infinito em seu ser, há um número infinito de proposições que podem ser
ditas sobre ele. 62 Nossas capacidades cognitivas são limitadas e vivemos no tempo. Se
há um número infinito de proposições sobre Deus, então seria impossível a qualquer ser
finito saber tudo sobre elas. Tal limitação permanecerá mesmo após a ressurreição dos
crentes. Ainda que nossas mentes e nossos corpos sofrerão consideráveis
aperfeiçoamentos, permaneceremos finitos e, portanto, Deus continuará
incompreensível para nós.
Entretanto, ainda podemos saber muito a seu respeito. Podemos conhecer e entender
tudo o que a Bíblia diz sobre ele. Jeremias 9.24 diz que se pode compreender e saber o
próprio caráter divino, que é ele que age com “lealdade, com justiça e com retidão sobre
a terra.” A doutrina da incompreensibilidade de Deus não anula a possibilidade do
verdadeiro e abundante conhecimento acerca dele por seres humanos finitos mediante a
exegese das Escrituras.
Não podemos admitir que a incompreensibilidade de Deus negue sua cognoscibilidade.
Ainda que não possuamos conhecimento exaustivo sobre ele, na verdade podemos ter
verdadeiro conhecimento a seu respeito. Tudo o que ele revela a nós pelas palavras das
Escrituras é verdade, e temos conhecimento verdadeiro sobre Deus a ponto de podermos
saber e entender suas palavras. Eu posso saber o nome de uma outra pessoa ou a sua
idade e nada mais acerca dela, mas isso não quer dizer que, pelo fato de o meu
conhecimento ser limitado, seja ele falso.
Ainda que seja verdade que quanto mais eu conheço sobre uma pessoa, melhor eu
entenderei o que já sei sobre ela, o que conheço, no entanto, é verdadeiro. Obtendo
informações adicionais a respeito de uma pessoa, adquiro um contexto mais rico do qual
compreendo as implicações de seu nome ou idade, mas meu conhecimento acerca disso
era verdadeiro mesmo antes de ter aquelas. Do mesmo modo, ainda que não tenhamos
um conhecimento completo sobre Deus, o que sabemos a seu respeito pela Bíblia,
contudo, é digno de confiança e exato.
Ainda que não possamos conhecê-lo completa ou exaustivamente, podemos saber sobre
ele conhecendo as palavras das Escrituras. As doutrinas da cognoscibilidade e
incompreensibilidade divina excluem a alegação de que sabemos tudo o que há de
conhecimento acerca de Deus, mas também nos lembra que podemos conhecê-lo
verdadeira e precisamente.
Cristãos que não apreendem imediatamente certas doutrinas bíblicas algumas vezes
desistem, chamando-as de “mistérios”, mas a cognoscibilidade divina alerta-nos contra
isso. Essa tendência de alguns para, sem legitimidade, assim rotular aquelas expõe um
defeito de sua mentalidade — pode se tratar tanto de falta de compreensão da natureza
da revelação, quanto de atitude preguiçosa ou rebelde para com a Escritura. Amiúde a
pessoa entende de fato a doutrina, mas recusa-se a aceitá-la. Visto não poder negar sua
origem bíblica, chama-a mistério para não ter de afirmá-la.
Por exemplo, muitos têm rotulado como mistérios as doutrinas da Trindade e da eleição
divina. Contudo, visto que a Bíblia as ensina e nos diz o que pensar a respeito daquelas,
não devemos chamá-las de mistérios, mas antes de doutrinas peremptórias as quais
todos os crentes devem afirmar. Doutrinas reveladas não são mistérios. Visto que Deus
revelou quantidade considerável de informação sobre tais tópicos, são elas claras
doutrinas bíblicas que exigem aceitação universal. Cerrar os olhos e chamá-las de
mistérios é nada menos do que declarado desafio contra a revelação divina. Recusar a
entender ou aceitar qualquer coisa que a Bíblia ensine é insultar o Deus que nos deu o
dom inestimável de sua revelação verbal.
Podemos agora proceder ao exame de outros atributos divinos, começando com aqueles
que elaboram na forma de sua existência, ou seus atributos metafísicos. Um atributo
assim é o da NECESSIDADE de Deus, querendo dizer que ele existe por necessidade
lógica. Relembre uma discussão anterior, que, ao dizer “Deus existe”, o cristão não se
refere a um Deus genérico, mas somente o Deus bíblico ou cristão; ou seja, Deus é
como a Bíblia diz ser. Não é um teísmo geral que os crentes devem defender, mas a
inteireza da fé cristã. 63
Em termos de lógica modal, estamos afirmando que Deus existe em cada mundo
possível. Um “mundo possível” é realidade quando o pode ser, no qual cada ser ou
evento contingente pode ser diferente. Por exemplo, é possível a uma dada pessoa ser
mais alta do que é, e a um certo carro ser vermelho em vez de verde. Qualquer realidade
que não contenha uma contradição é um mundo possível. Uma afirmação como 2 + 2 =
4 é verdadeira em todo mundo possível, e 1 + 1 = 10 é falsa em qualquer mundo
possível. Dizer que a existência de Deus é uma necessidade lógica quer dizer que a
proposição “Deus não existe” acarreta uma contradição nessa e em cada uma outra
realidade possível. A descrição da Escritura necessita de uma tal conclusão.
Alguns sustentam que Deus não existe por necessidade lógica, mas somente por
necessidade factual em nossa realidade presente. Visto que nossa declaração é que ele
existe por necessidade lógica em cada mundo possível, devemos concordar que ele
também existe por necessidade factual nesta realidade. Porém, dado o que sabemos ser
verdade acerca de Deus, é inadequado dizer que ele somente existe por necessidade
factual nesta realidade, e não o possa ser em outros mundos possíveis. Nosso
conhecimento dos atributos divinos precisa concluir que Deus existe por necessidade
lógica, e não somente factual. Os argumentos dogmático e transcendental da seção
anterior também entendem como inconcebível qualquer realidade possível a menos que
a cosmovisão bíblica inteira seja primeiramente pressuposta.
Deus é um ser não causado, e visto ser quem criou e ora sustém tudo o que existe, ele
tinha existido ainda antes de tudo o mais. Ninguém além dele mesmo sustenta seu ser.
Isso faz alusão à ASEIDADE de Deus, algumas vezes chamada de sua AUTOEXISTÊNCIA
ou INDEPENDÊNCIA. Ele existe “por si mesmo64”, e não depende de
qualquer coisa externa a si próprio para existir. Ele é um Deus “que se auto-contém”, e
que existe por sua própria natureza.
A Bíblia diz que “o Pai tem vida em si mesmo” (João 5.26), mas nossa existência é
dependente da vontade e do poder de Deus: “Pois nele vivemos, nos movemos e
existimos” (Atos 17.28). Apocalipse 4.11 diz: “Tu, Senhor e Deus nosso, és digno de
receber a glória, a honra e o poder, porque criaste todas as coisas, e por tua vontade elas
existem e foram criadas”. O apóstolo Paulo diz em Atos 17.25 que Deus “não é servido
por mãos humanas, como se necessitasse de algo”, mas que é ele “quem dá a todos a
vida, o fôlego e as demais coisas”.
O nome divino que Deus revelou a Moisés, “EU SOU O QUE SOU”, aponta para sua
auto-existência. Também sugere que Deus existe em um estado eterno. Ele criou o
próprio tempo e, portanto, é independente dele. Tal atributo da existência divina é
chamado de ETERNIDADE ou ATEMPORALIDADE. Gênesis 21.33 diz que ele é “o
Deus eterno”. O Livro de Salmos revela que ele é “de eternidade a eternidade” (41.13),
e que ele é “desde a eternidade” (93.2). O apóstolo Pedro escreve: “para o Senhor um
dia é como mil anos, e mil anos como um dia” (2 Pedro 3.8).
Uma implicação da eternidade de Deus é que todo conhecimento é para ele uma
intuição eterna. Ainda que haja uma sucessão de idéias na mente do homem, tal não é
verdade quando se trata de Deus. O homem raciocina das premissas para a conclusão,
um processo que requer tempo e uma sucessão de idéias na mente. Entretanto, visto que
Deus é atemporal, todas as proposições estão diante de sua mente como uma intuição ou
pensamento eterno. Logo, Deus pensa sem associações mentais ou uma sucessão de
idéias. Ele o faz por pura intuição, visto que todo conhecimento está imediatamente
presente perante ele, mesmo fatos que pertençam ao nosso futuro.
Isso não quer dizer que a lógica seja diferente para ele ou que pressuposições sejam
inadequadas para expressar seus pensamentos. A lógica é a mesma para Deus e para
nós, mas não há uma sucessão de idéias em sua mente devido à sua atemporalidade e ao
seu intelecto ilimitado. Se ele fosse pôr seus pensamentos em palavras para nós, haveria
uma sucessão de idéias em sua mensagem, com um pensamento conduzindo a um outro.
Ele seguiria todas as regras lógicas válidas, as quais procedem de sua natureza racional.
Afirmamos isso não por especulação vazia, mas visto que a Escritura é a palavra de
Deus, sabemos como ele se expressa em palavras. Além disso, o Filho de Deus tomou
atributos humanos e entrou no tempo. O relato bíblico a respeito mostra que Cristo
articulava sua mente por fala inteligível, seguindo todas as regras válidas de lógica.
Alguns sustentam que nossa constituição mental é tão diferente da de Deus que a
própria lógica lhe é diferente. Sugerem que a “lógica divina” é diferente da “humana”,
e, portanto, nosso raciocínio em conformidade com a nossa lógica não se aplica a ele.
Isso trai um mal-entendido fundamental sobre a natureza mesma da lógica. Essa não é
apenas o que torna a comunicação humana conveniente ou inteligível, mas são as regras
necessárias para o correto pensamento, tendo sua origem na natureza de Deus. Visto que
ele mesmo é racional, todo o pensar acerca dele e a realidade devem aderir às regras
lógicas. Um conceito como um círculo quadrado é tão disparatado e inconcebível a
Deus quanto o é a nós.
Além disso, argumentar que a “lógica humana” não se aplica a Deus é usá-la para dizer
algo sobre Deus, o que refuta a si mesmo. Se a lógica humana é inaplicável a ele, não se
pode nunca dizer assim e esperar que faça sentido ao mesmo tempo. Longe de dizer que
a lógica humana não se lhe aplica, Jesus foi um mestre debatedor, como se vê dos
encontros com os líderes religiosos hostis. Um teólogo-filósofo traduz João 1.1 como
segue: “No princípio era a Lógica, e a Lógica estava com Deus, e a Lógica era Deus.”
Isso pode deixar horrorizado os cristãos anti-intelectuais, mas a palavra logos pode tão
facilmente ser vertida como “lógica” ou “razão” como “verbo”.
Que Deus não raciocina de premissas para conclusões não significa que não tenha uma
mente racional, mas significa que ele está simultaneamente a par de todas as premissas e
conclusões, e, portanto, não necessita pensar por meios de argumentos lógicos como
nós. Mas devemos insistir que a lógica é a mesma tanto para ele quanto para nós, e
ainda que seu conhecimento exista como uma intuição eterna, ele pode expressar seus
pensamentos de forma proposicional, como o fez na Escritura.
A IMUTABILIDADE de Deus decorre de sua eternidade. Visto que não lhe haja
“antes” ou “depois”, é ele imutável em seu ser e caráter. Tal atributo é também
associado com sua perfeição. Se o ser de Deus tem toda perfeição possível, então
qualquer mudança nele deve ser para pior. Mas visto ser ele imutável, não pode piorar.
E visto que ele já possui cada perfeição, não tem ele necessidade de alteração ou
experimentar desenvolvimento.
Salmo 102.25-27 diz que, ainda que o universo físico sofra decadência e pereça, Deus
permanece o mesmo:
No princípio firmaste os fundamentos da terra, e os céus são obras das tuas
mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás; envelhecerão como vestimentas.
Como roupas tu os trocarás e serão jogados fora. Mas tu permaneces o mesmo, e
os teus dias jamais terão fim.
Deus diz em Malaquias 3.6: “eu, o SENHOR, não mudo.” O apóstolo Tiago escreve que
ele não “muda como sombras inconstantes” (Tiago 1.17). Deus diz em Isaías 46.11: “O
que eu disse, isso eu farei acontecer; o que planejei, isso farei”, e o Salmo 33.11 traz:
“os planos do SENHOR permanecem para sempre, os propósitos do seu coração por
todas as gerações”. Finalmente, Números 23.19: “Deus não é homem para que minta,
nem filho do homem, para que se arrependa. Acaso ele fala, e deixa de agir? Acaso
promete, e deixa de cumprir?”.
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A imutabilidade de Deus faz supor sua IMPASSIBILIDADE. Isso quer dizer que ele é
sem “paixões” — emoções ou sentimentos. Os crentes menos atentos rapidamente
protestarão contra dizer que Deus não tenha emoções, visto a Bíblia parecer revelar um
Deus que experimenta estados emotivos tais como tristeza, alegria e ira (Salmo 78.40;
Isaías 62.5; Apocalipse 19.15).
Os proponentes da impassibilidade divina explicam que as passagens que parecem
atribuir emoções a Deus são antropopatismos. A oposição então protesta que isso é
querer invalidar o ensino óbvio da Escritura por relegar a antropomorfismo ou
antropopatismo tudo que não se queira associar a Deus. Mas tais oponentes da
impassibilidade que são de outro modo ortodoxos em suas crenças prontamente aceitam
aquelas referências bíblicas como antropomórficas que atribuem a Deus partes corporais
tais como mãos e olhos. Portanto, não se deve tirar antropomorfismo ou antropopatismo
do pensamento como explicação válida sem boa razão.
Dizer que Deus experimenta emoções de uma maneira similar a dos seres humanos
parece incorrer em muitas contradições:
Um homem torna-se irado contra sua vontade no sentido de que não escolhe ficar
daquele jeito, nem escolhe experimentar o que o levou à cólera, mas dado seu presente
estado mental e desenvolvimento de caráter, o “gatilho” incita essa emoção nele contra
sua preferência. O mesmo aplica-se a experiências humanas de alegria, medo e tristeza.
Ainda que se possa desenvolver um notável nível de autocontrole pelo poder
santificador da Escritura e do Espírito Santo, permanece o fato de que a vontade e a
emoção de alguém não mantém um relacionamento harmônico. Um estado emocional
de uma pessoa não é sempre exatamente o que ela quer ou decide ser.
Contudo, o que foi dito acima não pode ser verdadeiro acerca de Deus mesmo se ele
tivesse de experimentar emoções, visto que tal falta de autocontrole contradiz sua
soberania, imutabilidade e onisciência. Por exemplo, que Deus sabe de tudo e assim não
possa ser “surpreendido” elimina certos caminhos da experiência das emoções. Assim,
só a onisciência já faz com que algumas emoções sejam impossíveis, ou pelo menos os
meios ou razões para experimentá-las. Se minhas ações podem entristecer ou irritar a ele
do mesmo modo que com um ser humano, então quer dizer que eu posso fazer com que
Deus se entristeça ou se irrite a hora que quiser. Por outro lado, se minhas ações podem
produzir nele alegria de uma maneira similar àquela com um humano, significa então
que sou capaz de levá-lo à alegria pelo meu querer. Dessa forma, poderia eu exercitar
uma medida de controle sobre Deus mesmo, o que contradiz sua soberania e
imutabilidade.
Podemos, por conseguinte, afirmar alguma forma de impassibilidade divina. Se Deus é
entristecido por nossos pecados, é somente porque ele quer ser entristecido por eles, e
não devido ao seu estado mental estar além de seu controle ou sujeito a nossa influência.
Pelo menos nesse sentido e até esse ponto, podemos afirmar que Deus não possui
paixões. Mesmo se Deus tivesse emoções, estariam elas sob seu completo controle, e
nunca comprometeriam qualquer de seus atributos conhecidos.
Os cristãos em algumas culturas são mais ligeiros ao defender o papel das emoções, seja
em Deus ou no homem, porque foram influenciados pela moderna psicologia, e não
apenas porque se recusam a aceitar a explicação de que as descrições bíblicas de Deus
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como tendo emoções são antropopatismos. Uma discussão sobre a natureza das
emoções ajudar-nos-á a melhor entender como elas se relacionam a Deus e ao homem.
O dicionário define “emoção” como “inquietação, excitação; o aspecto afetivo da
consciência; um estado de sentimento; uma reação psíquica e física (como ira ou medo)
experimentada subjetivamente como forte sentimento e psicologicamente envolvendo
mudanças que preparam o corpo para imediata ação vigorosa”. 65 A palavra
originalmente significa uma inquietação da mente. Ainda que esse significado seja
agora obsoleto na fala coloquial, sei de pelo menos um teólogo-filósofo que ainda
define emoção como uma inquietação mental. No uso comum mesmo, permanece como
uma “reação psíquica e física.” Se é uma inquietação ou uma reação, ela não soa mais
como boa ou necessária como as pessoas fazem-na parecer. 66
Contrariamente ao ensinamento popular, a Bíblia nunca diz que a mente consiste de
vontade, intelecto e emoção. Isso é emprestado da psicologia secular, não da bíblica.
Sob um tal esquema, a vontade, o intelecto e a emoção são partes distintas da mente, de
modo que essa é somente real enquanto agregado das três. Visto serem elas
independentes, não há necessária relação entre o crescimento e o desenvolvimento de
cada parte. Assim, os cristãos que assumem essa falsa estrutura algumas vezes dizem
que se deve não apenas desenvolver seu intelecto, mas também sua emoção.
Entretanto, a Bíblia declara que a parte íntima do homem é a mente ou intelecto. A
vontade e a emoção não são coisas em si mesmas, mas meramente funções da mente.
Por exemplo, a digestão não é um órgão à parte de ou dentro do estômago, mas é esse
que existe como um órgão físico, enquanto a digestão é a função que ele desempenha.
Do mesmo modo, é a mente que existe como a parte interior e incorpórea do homem.
Algumas vezes fica perturbada, e um distúrbio da mente afeta o modo como ela pensa,
freqüentemente de maneira negativa. Portanto, a emoção não é um bem em si mesma.
Ainda que a Bíblia não chame todas as emoções de pecaminosas, muitas delas podem
de fato o ser, e emoções pecaminosas amiúde levam a outros pecados:
O SENHOR disse a Caim: “Por que você está furioso? Por que se transtornou o
seu rosto? Se você fizer o bem, não será aceito? Mas se não o fizer, saiba que o
pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo.”
(Gênesis 4.6,7)
Os cristãos não precisam ser mais emocionais; precisam de mais autocontrole. A
Bíblia quase não contém tantas palavras ou frases emocionais quanto as pessoas querem
acreditar. Alguns podem mesmo interpretar mal o contentamento em Filipenses 4.12
como uma satisfação emocional, isto é, antes que se dêem conta de que é uma palavra
estóica denotando indiferença. 67 E “feliz” mesmo, é uma emoção na Bíblia? O amor
não é uma emoção na Bíblia, mas uma volição.
Uma marca do homem espiritual na Bíblia é o autocontrole, incluindo o domínio sobre
suas emoções. A mente de Deus é tão integrada que ele faz apenas o que ele quer, e
nunca é “inquietado” contra a sua vontade, se tanto. À medida que crescemos em
santificação, nossa emoção deve cada vez mais estar sujeita ao nosso controle
consciente, de modo que ficamos excitados porque decidimos assim ficar, tornarmo-nos
irados porque assim o decidimos, e podemos parar no momento em que assim
decidirmos.
Admito que Jesus experimentou emoções, mas a questão é o que se pode inferir desse
fato68. Aqueles casos em que Jesus experimentou emoções foram de fato inquietações
da mente (Marcos 14.34), mas visto que Hebreus 4.15 diz que ele nunca pecou, temos
de concluir que nem toda inquietação mental é pecaminosa. Entretanto, não se pode por
isso demonstrar que as emoções sejam boas, ou que não devam ser restringidas ou
suprimidas. Jesus também experimentou fome e fadiga (Mateus 21.18; Lucas 4.2; João
4.6), mas tal fato somente prova que o Filho de Deus de fato adquiriu atributos
humanos. 69 Portanto, que Jesus experimentou emoções somente mostra que ele possuía
reais atributos humanos e que nem toda inquietação da mente é pecaminosa. O que
vemos nos Evangelhos é que Jesus esteve sempre em pleno controle de si próprio. 70
A Bíblia é a favor do autocontrole sobre a instabilidade mental, o que, com freqüência, é
o que significa o possuir emoções. Todavia, quando ter uma emoção quer meramente
dizer expressar um certo tipo de pensamento, como em forte aprovação ou
desaprovação, então ao grau do que a pessoa permanece em controle de sua mente, e ao
grau que isso não seja uma inquietação involuntária ou imoral da mente, então talvez ela
seja aceitável. Mas isso já exclui quaisquer exemplos de expressão emocional.
Portanto, ao afirmarmos a impassibilidade divina, não estamos roubando Deus de
quaisquer qualidades de valor. Antes, estamos dizendo que ele tem perfeita estabilidade
mental e autocontrole; ele não pode ser inquietado contra o seu querer. Mas não há
realmente razão alguma contra afirmar a plena impassibilidade divina, que a mente dele
nunca jamais seja perturbada.
Introduzimos a UNIDADE de Deus por implicação. Ao contrário dos seres humanos,
Deus não é dividido em partes, mas existe como um todo eterno com todos os seus
atributos como uno e inseparável. Algumas vezes isso é chamado de sua
SIMPLICIDADE, visto que Deus não é complexo, ou dividido em partes.
Ainda que uma dada porção bíblica possa enfatizar um atributo divino específico, isso
não significa que os atributos divinos sejam completamente separáveis, que um atributo
possa às vezes passar por cima de outro, que um seja mais importante que outro, ou que
um mais estritamente expresse a essência de Deus que outro. A Escritura mostra-nos
que Deus é seus atributos: 1 João 1.5 diz: “Deus é luz”, e 1 João 4.16 diz: “Deus é
amor”. Logo, Deus não é um ser que é amor com luz como um atributo, ou vice-versa;
antes, é ele amor e luz, tanto quanto seus outros atributos.
Não devemos pensar em Deus enfatizando um certo atributo durante um período
histórico, e então dando ênfase a um atributo diferente durante um outro período.
Mesmo alguns cristãos pensam que Deus era cheio de ira no Antigo Testamento mas
misericordioso no Novo. Contudo, é o primeiro que diz: “O seu amor dura para sempre”
(Salmo 136), e é no segundo que está que “terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo”
(Hebreus 10.31). A unidade de Deus significa que ele é tanto amoroso quanto justo em
todos os tempos. Ele é sempre misericordioso para seus eleitos e cheio de cólera para
com os réprobos, seja no Antigo ou no Novo Testamento.
Um outro atributo metafísico de Deus é a sua ESPIRITUALIDADE. Ele é incorpóreo;
não tem corpo. Jesus diz: “Deus é espírito” (João 4.24). Dado alguns dos atributos
divinos conhecidos, entendemos que várias passagens bíblicas que aludem a ele como
tendo partes corporais são antropomórficas. Por exemplo, 2 Crônicas 16.9 diz: “os olhos
do SENHOR estão atentos sobre toda a terra para fortalecer aqueles que lhe dedicam
totalmente o coração”. A ARA diz que os olhos do Senhor “passam por toda a terra”.
Mas dizer que Deus tenha olhos físicos para ver seria comprometer sua onisciência,
visto que, então, ele não poderia ver as áreas onde seus olhos não estão olhando.
Também, nossos olhos não atuam por si próprios, mas são órgãos que trabalham com
nosso cérebro e nervos óticos. Pois para serem úteis seus olhos físicos, Deus deve então
ter um cérebro, nervos óticos, um tendão espinal — exatamente como um homem. Isso
é o que algumas heresias sustentam, mas isso contradiz as doutrinas da transcendência e
da invisibilidade divinas (1 Timóteo 1.17; Jó 9.11). A citada porção de 2 Crônicas 16.9
deve ser compreendida como figurada — entre outras coisas, está dizendo que Deus está
a par de tudo o que ocorre na terra.
Um outro exemplo vem de Isaías 66.1, onde Deus diz: “O céu é o meu trono, e a terra, o
estrado dos meus pés”. Alguns insistem que tomamos tais passagens “literalmente”.
Mas então as pernas dele teriam de ter exatamente aquele comprimento — o
comprimento de suas pernas seriam a distância entre o céu e a terra. Como então ele
poderia ter dito “tenho ido de uma tenda para outra, de um tabernáculo para outro” (2
Samuel 7.6), visto que a tenda ser-lhe-ia pequena demais? Algumas versões de tal
heresia — que Deus tem um corpo — asseveram que ele é de uma altura similar a dos
seres humanos. Mas isso contradiria o versículo de Isaías, visto que nenhum ser humano
é mais alto do que vários metros. É mais natural e preciso entender as passagens bíblicas
que atribuam partes corporais a Deus como antropomórficas.
Lucas 11.20 também ilustra que as referências bíblicas às partes corporais dele são
antropomórficas: “Mas se é pelo dedo de Deus que eu expulso demônios, então chegou
a vocês o Reino de Deus”. Jesus indica que ele expele os demônios pelo “dedo de
Deus”, e assim parece a alguns que Deus tem uma mão com dedos como nós.
Entretanto, na passagem paralela de Mateus 12.28, Jesus diz que ele lança fora os
demônios “pelo Espírito de Deus”. Deveria ser óbvio que o dedo divino é figurativo do
seu Espírito, e não que ele possua partes corporais como os dedos humanos.
Em Deuteronômio 4.15-16, Moisés diz ao povo de Israel: “No dia em que o SENHOR
lhes falou do meio do fogo em Horebe, vocês não viram forma alguma. Portanto,
51
tenham muito cuidado, para que não se corrompam fazendo para si um ídolo, uma
imagem de alguma forma semelhante a homem ou mulher”. Ao contrário dos seres
humanos, Deus não tem “forma alguma”; portanto, Moisés proíbe qualquer um de
construir uma imagem que alegue ser semelhante à aparência divina, nem mesmo uma
que seja em forma de um ser humano. Se é interdito construir uma imagem física de
Deus porque ele não tem forma alguma, então é igualmente injustificável assumir que
Deus tenha uma forma em nosso pensamento e em nossa teologia.
Não são poucos os cristãos que sucumbem ao ensinamento de que Deus Pai e Deus
Espírito Santo têm corpos. Tais crentes não percebem que essa doutrina é herética, e que
está mais próxima do mormonismo do que do cristianismo. Para resumir, Deus Pai e
Deus Espírito Santo não possuem corpos, porém Deus Filho tomou atributos humanos,
incluindo um corpo físico. Todavia, os atributos divinos não estão misturados ou
confundidos com os humanos mesmo nele. Por exemplo, Deus Filho é onipresente no
que toca à sua natureza divina, mas sua natureza humana não é onipresente.
Deus possui cada atributo divino de um modo ilimitado e numa extensão ilimitada. Tal
é a INFINIDADE divina. O Salmo 119.96 diz: “Tenho constatado que toda perfeição
tem limite; mas não há limite para o teu mandamento”, e o 147.5: “Grande é o Senhor
nosso, e mui poderoso; o seu entendimento não se pode medir” (ARA). Os atributos de
Deus são infinitos e imensos.
Por exemplo, a doutrina da onipotência divina indica que Deus tem poder ou capacidade
sem limites. Ora, o que é infinito não é simplesmente maior que o finito em grau, mas
também em espécie. Uma pessoa que tem um bilhão de vezes os bens de uma outra
ainda opera dentro das limitações humanas e do sistema monetário, mas quem tenha
recursos infinitos e ilimitados opera também em um nível diferente. Quem vive mil
vezes mais do que uma outra pessoa é ainda mortal, mas quem é imortal não é apenas
maior em grau, mas em espécie.
Que Deus é infinito significa que ele não é apenas uma versão maior de nós mesmos;
ele é mais do que um “super-homem”. Seu poder e sabedoria são infinitamente maiores
que os nossos, não apenas muito maior. Uma compreensão desse fato deve acender o
temor de Deus em nós, e por um fim à petulante atitude que até os cristãos têm para
com Deus nos dias que correm.
Mesmo aqueles que chamam a si mesmos amantes de Deus freqüentemente desafiam
sua revelação verbal e sua maneira de fazer as coisas. Contudo, desafiar a Deus não é
uma característica do genuíno crente; aqueles que verdadeiramente amam-no e sabem
como ele é também o temem. Ao contrário daqueles a quem Deus resgatou do Egito
mas que incessantemente murmuravam contra ele, devemos atentar às palavras de
Eclesiastes 5.2: “Não seja precipitado de lábios, nem apressado de coração para fazer
promessas diante de Deus. Deus está nos céus, e você está na terra, por isso, fale
pouco”.
Os atributos metafísicos de Deus demonstram a sua TRANSCENDÊNCIA. Ainda que a
transcendência divina signifique que Deus está “fora” do espaço e do tempo, não é de
fato uma idéia que denote sua “localização”, visto ser ele incorpóreo. Antes, a ênfase é
que Deus é independente do espaço e do tempo, e não limitado por eles.
52
Entretanto, a IMANÊNCIA de Deus lembra-nos de que ele não está distante de nós de
um modo que torne a atenção e a comunicação pessoais da parte dele impossíveis. A
Bíblia retrata um Deus que está envolvido na história humana e nas vidas dos
indivíduos. Ele é muito diferente e superior a nós de várias maneiras, mas ainda é capaz
de interagir com os seres humanos. Em suma, Deus é tanto transcendente quanto
imanente, e esses dois atributos não contradizem nem diminuem um ao outro.
Relacionado a isso está a ONIPRESENÇA divina. Ainda que ele seja transcendente, sua
imanência é tal que está presente em todo lugar. Diz o Salmo 139.7-10:
Para onde poderia eu escapar do teu Espírito? Para onde poderia fugir da tua
presença? Se eu subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepultura,
também lá estás. Se eu subir com as asas da alvorada e morar na extremidade do
mar, mesmo ali a tua mão direita me guiará e me susterá.
Isso não quer dizer que Deus ocupe cada ponto no espaço, visto que não tem ele
dimensões espaciais em hipótese nenhuma. Todavia, podemos afirmar que Deus está de
fato presente seja onde for no sentido de que ele conhece tudo o que ocorre em cada
ponto do espaço, e pode exercitar seu pleno poder ali. Deus é onipresente porque nada
pode escapar a seu conhecimento e poder.
Deus é uma TRINDADE, e todos os atributos divinos aplicam-se a cada membro da
Divindade. Ainda que haja somente um Deus, ele subsiste em três pessoas, cada uma
delas plenamente participante na única essência divina. Deus Pai, Deus Filho e Deus
Espírito cumpriram seus papéis singulares no batismo de Cristo:
Assim que Jesus [Deus Filho] foi batizado, saiu da água. Naquele momento o
céu se abriu, e ele viu o Espírito de Deus [Deus Espírito] descendo como pomba
e pousando sobre ele. Então uma voz dos céus [Deus Pai] disse: “Este é o meu
Filho amado, em quem me agrado” (Mateus 3.16,17).
O que com freqüência é chamado de Bênção Apostólica* diz: “A graça do Senhor Jesus
Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vocês” (2
Coríntios 13.14).
Mateus 28.19 tem uma relevância particular a uma discussão sobre a Trindade:
“Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo”. Repare que esse versículo não diz:
1. “... nos nomes do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”
2. “... no nome do Pai, e no nome do Filho, e no nome do Espírito Santo.”
3. “... no nome do Pai, Filho e Espírito Santo.”
A primeira e a segunda versão implicariam que estamos lidando com três seres
separados. E visto que a terceira conserva a palavra “nome” no singular, não fica uma
distinção clara entre as três pessoas. Entretanto, Jesus não põe sua declaração em
qualquer dessas três formas.
O que o versículo diz é: “... em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. O Pai, o
Filho e o Espírito Santo recebem cada um artigo definido, indicando assim uma clara
distinção entre os três, mas a palavra “nome” permanece no singular, sinalizando assim
a unidade essencial e a igualdade das três.
1 Pedro 1.1,2 é um outro texto que pressupõe a Trindade de Deus e indica o papel
singular que cada membro desempenha na obra de redenção:
Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos de Deus, peregrinos... escolhidos de
acordo com o pré-conhecimento de Deus Pai, pela obra santificadora do Espírito,
para a obediência a Jesus Cristo e a aspersão do seu sangue: Graça e paz lhes sejam
multiplicadas.
A formulação doutrinária histórica da Trindade diz: “Deus é um em essência e três em
pessoa.” Tal proposição não acarreta contradição alguma. Pois para haver uma
contradição, devemos afirmar que “A é não-A”. Em nosso caso, isso se traduz por:
“Deus é um em essência e três em essência”, ou: “Deus é um em pessoa e três em
pessoa.” Afirmar que Deus é um e três (não um) ao mesmo tempo e no mesmo sentido é
auto-contraditório.
Entretanto, nossa formulação da doutrina diz que Deus é um em um sentido e três em
um sentido diferente: “Deus é um em essência e três em pessoa.” Além disso, ainda que
cada uma das três pessoas participe plenamente na Divindade, a doutrina não se
transforma em triteísmo, visto que há ainda apenas um Deus e não três.
A “essência” na formulação acima alude aos atributos divinos, ou à própria definição de
Deus, de modo que todas as três pessoas da Divindade preenchem completamente a
definição de deidade. Mas tal não implica triteísmo porque a própria definição envolve
cada membro da Trindade, de modo que cada um deles não é uma deidade
independente. O Pai, o Filho e o Espírito são “pessoas” distintas porque representam
três centros de consciência dentro da Divindade. Portanto, ainda que todos os três
participem completamente na essência divina de forma a torná-la um Deus, esses três
centros de consciência representam três pessoas dentro dessa Divindade única.
Por exemplo, todos os três membros da Trindade sabem que Cristo morreria na cruz
para salvar os eleitos, mas nem o Pai nem o Espírito pensaram: “Eu morrerei na cruz
para salvar os eleitos”, mas antes: “Ele [o Filho] morrerá na cruz para salvar os eleitos.”
Por outro lado, Deus Filho afirmou o mesmo pensamento na primeira pessoa: “eu
morrerei na cruz para salvar os eleitos.” Assim, ainda que todos os três membros da
Trindade possuam onisciência, suas relações para com as proposições sabidas são
diferentes.
Além da acusação de auto-contradição, os ataques sobre a Trindade amiúde envolvem
comprometer a deidade de uma ou mais pessoas da Divindade. Visto que a deidade de
Deus (o Pai) não está em disputa, e visto que num capítulo posterior será discutida a
deidade de Cristo, aqui demonstraremos brevemente a personalidade e a deidade do
Espírito Santo.
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Pedro diz em Atos 5.3,4 que Ananias mentiu ao Espírito Santo, mas pode-se somente
mentir a uma pessoa. E Pedro acrescenta que ao mentir a essa pessoa, ele mentia a
Deus:
Então perguntou Pedro: “Ananias, como você permitiu que Satanás enchesse o seu
coração, ao ponto de você mentir ao Espírito Santo e guardar para si uma parte do
dinheiro que recebeu pela propriedade? 4 Ela não lhe pertencia? E, depois de
vendida, o dinheiro não estava em seu poder? O que o levou a pensar em fazer tal
coisa? Você não mentiu aos homens, mas sim a Deus”.
Mateus 12.31 diz: “Por esse motivo eu lhes digo: Todo pecado e blasfêmia serão
perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada”, mas
somente Deus pode ser blasfemado. Hebreus 9.14 chama o Espírito Santo de “Espírito
eterno”, mas somente Deus é eterno. Portanto, esses dois versículos indicam que o
Espírito Santo é Deus.
Outras passagens que afirmam ou implicam a deidade do Espírito Santo são as
seguintes:
Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus
se movia sobre a face das águas. (Gênesis 1.2)
Para onde poderia eu escapar do teu Espírito? Para onde poderia fugir da tua
presença? (Salmo 139.7)
O Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as coisas mais profundas de Deus. Pois,
quem conhece os pensamentos do homem, a não ser o espírito do homem que nele
está? Da mesma forma, ninguém conhece os pensamentos de Deus, a não ser o
Espírito de Deus. Nós, porém, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito
procedente de Deus, para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado
gratuitamente. (1 Coríntios 2.10-12)
Vocês não sabem que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em
vocês? (1 Coríntios 3.16)
Acaso não sabem que o corpo de vocês é santuário do Espírito Santo que habita em
vocês, que lhes foi dado por Deus, e que vocês não são de si mesmos? (1 Coríntios
6.19)
As passagens citadas no começo desta seção sobre a Trindade (Mateus 3.16,17; 28.12; 2
Coríntios 13.13; 1 Pedro 1.1,2) também subentendem a igualdade das três pessoas
divinas, e assim a deidade do Filho e do Espírito.
Há uma distinção de papéis dentro da Trindade. A Bíblia retrata o Filho como
subordinado ao Pai e o Espírito Santo como subordinado ao Pai e ao Filho (João 14.28;
15.26). Contudo, visto que já estabelecemos a igualdade essencial dos três membros da
Divindade, reconhecemos que tal subordinação é apenas funcional. Ainda que o Filho
execute a vontade do Pai, e o Espírito seja enviado pelo Pai e o Filho, as três pessoas
são iguais em essência. Tal submissão dentro da Divindade apenas se dá por consenso
mútuo.
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Isso fornece uma base para que compreendamos a submissão entre os seres humanos.
Ainda que todas as pessoas sejam iguais enquanto seres humanos, Deus nos ordena a
obedecer aos líderes designados (Efésios 5.23; Hebreus 13.17; Romanos 13.5). Não é
porque os líderes sejam inerentemente superiores como seres humanos, mas a Deus
agradou estabelecer certas estruturas de autoridades dentro de instituições legítimas tais
como a igreja, a família e o estado. Assim, há tempos em que Deus exige que uma
pessoa se submeta a uma outra, mas em essência as duas são iguais. Visto ser ele quem
ordena as primeiras, a submissão voluntária aos líderes nomeados demonstra o amor e a
obediência de alguém para com Deus.
Avançando a partir da nossa visão panorâmica sobre os atributos metafísicos,
examinaremos agora alguns outros, tais como aqueles relacionados ao seu intelecto,
caráter e poder.
Os atributos divinos estão estritamente ligados um ao outro, e assim é inevitável que
tenhamos mencionado a ONISCIÊNCIA divina várias vezes. Que Deus é onisciente
significa que ele conhece todas as proposições. Alguns teólogos e filósofos acrescentam
que também ele sabe as relações entre todas elas. Ainda que seja verdadeiro, é
redundante porque mesmo essas relações podem ser afirmadas como proposições, as
quais naturalmente ele conhece. É ainda desnecessário dizer que Deus conhece a
verdade ou a falsidade e a atualidade ou potencialidade de todas as proposições, visto
que as tais também podem ser declaradas como proposições. Portanto, é suficiente dizer
que a onisciência divina significa que Deus sabe todas as proposições, e isso é afirmar
que Deus possui todo conhecimento.
Visto ser ele atemporal, todo conhecimento existe antes em sua mente como intuição
eterna. Para nós “pensar através de” algo implica um processo, ou uma sucessão de
pensamentos em nossa mente, onde um pensamento conduz a um outro. Que nossas
mentes sejam finitas quer dizer que podemos reter somente um limitado número de
proposições em nossa consciência imediata em qualquer momento. Apenas um ser
onisciente pode reter em sua consciência imediata todas as proposições e estar
plenamente inteirado delas. Tal é a mente divina, e ele pode de fato perceber todas as
coisas com exaustiva profundidade e claridade em todos os tempos, mesmo coisas
pertinentes ao nosso futuro.
A Bíblia diz, “Nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus. Tudo está
descoberto e exposto diante dos olhos daquele a quem havemos de prestar contas.”
(Hebreus 4.13). Deus tem “perfeito conhecimento” (Jó 37.16), e “[faz] conhecido o fim,
desde tempos remotos, o que ainda virá” (Isaías 46.10).
O conhecimento exaustivo de Deus acerca de tudo inclui até nossos pensamentos e
intenções: “O SENHOR vê os caminhos do homem e examina todos os seus passos”
(Provérbios 5.21); “o SENHOR conhece a motivação dos pensamentos” (1 Crônicas
28.9); “eu sou aquele que sonda mentes e corações, e retribuirei a cada um de vocês de
acordo com as suas obras” (Apocalipse 2.23).
A onisciência divina faz com que seja possível à mente cristã tornar-se um altar de
adoração, constantemente ofertando oração e graças a Deus: “Que as palavras da minha
boca e a meditação do meu coração sejam agradáveis a ti, SENHOR, minha Rocha e
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meu Resgatador” (Salmo 19.14); “O SENHOR detesta os pensamentos dos maus, mas
se agrada das palavras ditas sem maldade” (Provérbios 15.26).
Outras passagens bíblicas que ensinam a onisciência divina são as seguintes:
SENHOR, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me sento e quando me
levanto; de longe percebes os meus pensamentos. Sabes muito bem quando trabalho
e quando descanso; todos os meus caminhos são bem conhecidos por ti. Antes
mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, SENHOR
(Salmo 139.1-4).
Será que você não sabe? Nunca ouviu falar? O SENHOR é o Deus eterno, o Criador
de toda a terra. Ele não se cansa nem fica exausto; sua sabedoria é insondável (Isaías
40.28).
Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos! (Romanos 11.33).
Um atributo relacionado à onisciência divina é a SABEDORIA de Deus. Dizer que ele é
sábio põe ênfase no seu exaustivo conhecimento de todas as coisas, sua capacidade de
tomar as melhores decisões, e que ele sempre realizará seus propósitos através dos
melhores meios.
Paulo diz que o nosso é “o único Deus sábio” (Romanos 16.27). O profeta Jeremias diz
que Deus “firmou o mundo com a sua sabedoria e estendeu os céus com seu
entendimento” (Jeremias 10.12). Romanos 11.33 indica que sua sabedoria, tanto como
seu conhecimento, é ilimitado: “Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus
caminhos!”
A ONIPOTÊNCIA de Deus alude a seu poder e capacidade sem limites para criar o que
deseja e controlar sua criação.
Indaga-se freqüentemente se isso quer dizer que ele possa criar algo que chegue a ser
uma contradição; entretanto, a questão sofre do que podemos chamar de FALÁCIA
CATEGÓRICA. Quer dizer isso que um termo ou conceito foi mal aplicado para um
tema em questão de tal modo que um não se aplica mesmo à idêntica categoria do outro,
e assim a afirmação ou questão torna-se ininteligível e sem sentido.
Por exemplo, a questão “qual o tamanho de seu gato?” faz sentido, visto que tamanho é
uma categoria que pode ser aplicada tendo significado para animais. O mesmo é
verdadeiro para “qual a velocidade de seu carro?” e “qual o nível de esperteza de seu
filho?” Entretanto, não faz sentido perguntar “a cor verde é rápida ou lenta?” ou “aquela
rocha é esperta ou estúpida?” Velocidade não se aplica a cor e inteligência não se aplica
a uma rocha. O verde não pode ser rápido nem lento; nem uma rocha ser esperta ou
estúpida.
Há um problema similar com a questão sobre se a onipotência divina subentende a
capacidade de executar uma contradição, como “Deus pode criar uma rocha tão grande
ou pesada que não a possa levantar?” Entretanto, Deus é incorpóreo, e assim forças
57
físicas não atuam sobre ele de forma alguma. Quando ele “ergue” um objeto, não há
força física alguma para restringi-lo. Que força vai fazer com que a rocha fique
“pesada” para Deus? Se o objeto é grande ou pesado para nós é completamente
irrelevante. Se Deus cria a rocha, ele sempre será capaz de fazer tudo o que quiser com
ela.
Ora, um círculo quadrado é um conceito auto-contraditório. A categoria de capacidade
não se aplica a criar uma contradição, visto que essa não é algo a ser criado — uma
contradição é nada. Portanto, é sem sentido perguntar se Deus pode criar um círculo
quadrado, visto que não há nada em absoluto a ser feito.
A onipotência divina é definida como sua capacidade de criar o que ele quer e exercer
completo controle sobre sua criação. Deus não age contrariamente à sua própria vontade
ou natureza, e não faz contradições, visto serem absolutamente nada a se fazer.
Deus revela a si mesmo como “Deus todo-poderoso” a Abraão em Gênesis 17.1. O
relato da criação em Gênesis 1 - 3 é, sem dúvida, um testemunho de sua capacidade
singular — não apenas é ele capaz de criar objetos inanimados, mas também coisas
viventes, com o homem sendo a coroa de sua criação. Diz o Salmo 115.3: “O nosso
Deus está nos céus, e pode fazer tudo o que lhe agrada”, e Jó diz a ele: “Sei que podes
fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). Deus fala
em Jeremias 32.27: “Eu sou o SENHOR, o Deus de toda a humanidade. Há alguma
coisa difícil demais para mim?”.
Outras passagens bíblicas que ensinam o poder ilimitado de Deus são as seguintes:
SENHOR, Deus dos nossos antepassados, não és tu o Deus que está nos céus? Tu
dominas sobre todos os reinos do mundo. Força e poder estão em tuas mãos, e
ninguém pode opor-se a ti (2 Crônicas 20.6).
Se ele apanha algo, quem pode pará-lo? Quem pode dizer-lhe: ‘O que fazes?’ (Jó
9.12).
Pois esse é o propósito do SENHOR dos Exércitos; quem pode impedi-lo? Sua mão
está estendida; quem pode fazê-la recuar? (Isaías 14.27).
Eu, eu mesmo sou o SENHOR, e além de mim não há salvador algum. Eu revelei,
salvei e anunciei; eu, e não um deus estrangeiro entre vocês. Vocês são testemunhas
de que eu sou Deus. “Desde os dias mais antigos eu o sou. Não há quem possa livrar
alguém da minha mão. Agindo eu, quem o pode desfazer?” (Isaías 43.11-13).
Ah! Soberano SENHOR, tu fizeste os céus e a terra pelo teu grande poder e por teu
braço estendido. Nada é difícil demais para ti (Jeremias 32.17).
Todos os povos da terra são como nada diante dele. Ele age como lhe agrada com os
exércitos dos céus e com os habitantes da terra. Ninguém é capaz de resistir à sua
mão ou dizer-lhe: “O que fizeste?” (Daniel 4.35).
Jesus olhou para eles e respondeu: “Para o homem é impossível, mas para Deus não;
todas as coisas são possíveis para Deus” (Marcos 10.27).
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Pois nada é impossível para Deus (Lucas 1.37).
O AMOR de Deus é um tópico favorito entre as pessoas. Com freqüência se insiste em
que “Deus é amor” (1 João 4.8); entretanto, poucos entendem o significado e a
implicação disso.
É popular a declaração de que o amor divino é universal. Ainda que seja verdadeiro que
Deus expresse uma benevolência geral a todas as suas criaturas, não é verdade que ele
ame a todos de uma mesma maneira e grau. A Bíblia diz que “em Deus não há
parcialidade” (Romanos 2.11), mas isso apenas quer dizer que Deus não dispensa seu
favor de acordo com algumas condições irrelevantes achadas em suas criaturas. O
contexto de Romanos 2.11 não é que “Deus ama a todos incondicionalmente”, como
muita gente diz, mas que ele condena todos os pecadores, quer judeus quer gentios:
“Todo aquele que pecar sem a Lei, sem a Lei também perecerá, e todo aquele que pecar
sob a Lei, pela Lei será julgado.” (Romanos 2.12). Do mesmo modo, Colossenses 3.25
traz: “Quem cometer injustiça receberá de volta injustiça, e não haverá exceção para
ninguém”.
Ora, Atos 10.34,35 declara: “Agora percebo verdadeiramente que Deus não trata as
pessoas com parcialidade, mas de todas as nações aceita todo aquele que o teme e faz o
que é justo.” O tipo de universalismo a que se faz alusão aqui é o de tipo nacional ou
étnico, que Deus escolhe alguns para serem salvos de “toda tribo, língua, povo e nação”
(Apocalipse 5.9). Não diz que ele aceite a todos “incondicionalmente”, mas que aceita
somente aqueles que dele se aproximam em seus termos, e a Bíblia deixa claro que
apenas quem Deus escolheu para a salvação virá até ele dessa forma.
Visto que Deus escolhe seus eleitos sem considerar quaisquer condições anteriores ou
antevistas neles, e então fornece todas as condições necessárias pelas quais ele os torna
retos para com ele mesmo, é exato dizer que Deus incondicionalmente ama os eleitos.
Porém, ele não ama incondicionalmente a todos.
Logo, é verdade que Deus não mostra favoritismo, mas isso somente quer dizer que ele
condena todos os réprobos e salva seus eleitos sem considerar sua origem étnica e
social, ou qualquer outra condição irrelevante neles, e que qualquer condição relevante
neles foi decretada por ele em primeiro lugar. Não quer dizer que ele favoreça todas as
pessoas.
Entretanto, Deus mostra uma benevolência geral a suas criaturas. Jesus diz: “[ele] faz
raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus
5.45). Deus manda chuva e fornece outros benefícios não-espirituais através de seu
governo providente sobre a criação. Tal é sua benevolência geral, visto que os
benefícios incluídos estão disponíveis tanto para crentes quanto para incrédulos.
Ninguém pode viver um momento a mais sem isso. Outras provisões naturas tais como
o ar, a luz, o alimento, e certas espécies de conhecimento também vêm sob essa
categoria da providência divina. Podemos reconhecer que o “amor” de Deus é universal
nesse sentido estrito.
Por outro lado, o amor de Deus tem especial significado para quem foi escolhido para a
salvação. Deus escolheu salvar os eleitos e condenar os réprobos, e em um tal contexto,
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ele ama apenas os eleitos. Como Romanos 9.13 diz, “Amei Jacó, mas rejeitei Esaú.”
John H. Gerstner escreve:
“Arrepender ou Perecer” força as pessoas a ponderarem seriamente no popular
slogan “Deus odeia o pecado e ama ao pecador”. Uma necessidade de
arrependimento é consistente com “Deus ama o pecador”? Se Deus ama o pecador
enquanto está vivo, é estranho que Deus envie-o ao inferno assim que ele morre.
Deus ama o pecador a ponto de levá-lo à morte? Ama-o a ponto de levá-lo ao
tormento eterno?
Há alguma coisa de errado aqui. Ou Deus ama o pecador e não o envia à fornalha de
Sua ira eterna; ou Ele o envia para Sua eterna ira e não o ama...
O que leva quase todos a acreditarem que Deus ama o pecador é que Deus faz tanto
bem ao pecador. Ele lhe concede tão grandes favores, inclusive o de deixá-lo
continuar a viver. Como pode Deus deixar o pecador viver e lhe dar tantas bênçãos,
a não ser porque Ele o ama? Há uma espécie de amor entre Deus e os pecadores.
Podemos chamá-lo o “amor da benevolência”. O que quer dizer o amor da boa
vontade... Deus pode fazer bem ao pecador sem amá-lo com a outra espécie de
amor... 71
O mandamento de Jesus para que amemos nossos inimigos é dito no mesmo contexto da
benevolência universal de Deus:
Mas eu digo a vocês que estão me ouvindo: Amem os seus inimigos, façam o
bem aos que os odeiam, abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que
os maltratam. Se alguém lhe bater numa face, ofereça-lhe também a outra. Se
alguém lhe tirar a capa, não o impeça de tirar-lhe a túnica. Dê a todo aquele que
lhe pedir, e se alguém tirar o que pertence a você, não lhe exija que o devolva.
Como vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles.
(Lucas 6.27-31)
Amar os inimigos é “fazer o bem” a eles, da mesma maneira que o Pai para com aqueles
que o odeiam. Paulo confirma que isso é o que quer dizer quando somos instruídos a
amar nossos inimigos: “‘Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dêlhe
de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele.’” “Não se
deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem” (Romanos 12.20,21). Para
sermos fiéis ao mandamento de Jesus de que devemos amar nossos inimigos, devemos
fazer o bem a quem nos odeia.
Dito isso, somos também participantes no ódio divino contra os réprobos. Como diz o
Salmo 139.21,22: “Acaso não odeio os que te odeiam, SENHOR? E não detesto os que
se revoltam contra ti? Tenho por eles ódio implacável! Considero-os inimigos meus!”
Outros versículos que se referem ao santo ódio contra os réprobos e seus feitos incluem
os seguintes:
O vidente Jeú, filho de Hanani, saiu ao seu encontro e lhe disse: “Será que você
devia ajudar os ímpios e amar aqueles que odeiam o SENHOR?” (2 Crônicas
19.2).
Os arrogantes não são aceitos na tua presença; odeia todos os que praticam o mal
(Salmo 5.5).
Afastem-se de mim todos vocês que praticam o mal, porque o SENHOR ouviu o
meu choro (Salmo 6.8).
Não me associo com homens falsos, nem ando com hipócritas; detesto o
ajuntamento dos malfeitores, e não me assento com os ímpios (Salmo 26.4,5).
Odeio aqueles que se apegam a ídolos inúteis; eu, porém, confio no SENHOR
(Salmo 31.6).
Amas a justiça e odeias a iniqüidade; por isso Deus, o teu Deus, escolheu-te
dentre os teus companheiros ungindo-te com óleo de alegria (Salmo 45.7).
Odeiem o mal, vocês que amam o SENHOR, pois ele protege a vida dos seus
fiéis e os livra das mãos dos ímpios (Salmo 97.10).
Repudiarei todo mal. Odeio a conduta dos infiéis; jamais me dominará! Longe
estou dos perversos de coração; não quero envolver-me com o mal (Salmo
101.3,4).
Odeio os que são inconstantes, mas amo a tua lei (Salmo 119.113).
Afastem-se de mim os que praticam o mal! Quero obedecer aos mandamentos
do meu Deus! (Salmo 119.115).
Quem dera matasses os ímpios, ó Deus! Afastem-se de mim os assassinos!
(Salmo 139.19).
Minha boca fala a verdade, pois a maldade causa repulsa aos meus lábios
(Provérbios 8.7).
Temer o SENHOR é odiar o mal; odeio o orgulho e a arrogância, o mau
comportamento e o falar perverso (Provérbios 8.13).
Os justos odeiam o que é falso, mas os ímpios trazem vergonha e desgraça
(Provérbios 13.5).
O SENHOR detesta os orgulhosos de coração. Sem dúvida serão punidos
(Provérbios 16.5).
Os justos detestam os desonestos, já os ímpios detestam os íntegros (Provérbios
29.27).
61
Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo
do céu... tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em
paz (Eclesiastes 3.1,8).
Porque eu, o SENHOR, amo a justiça e odeio o roubo e toda maldade. (Isaías
61.8).
O povo de minha propriedade tornou-se para mim como um leão na floresta. Ele
ruge contra mim, por isso eu o detesto (Jeremias 12.8).
Odeiem o mal, amem o bem; estabeleçam a justiça nos tribunais (Amós 5.15).
Eu odeio e desprezo as suas festas religiosas; não suporto as suas assembléias
solenes (Amós 5.21).
O amor deve ser sincero. Odeiem o que é mau; apeguem-se ao que é bom
(Romanos 12.9).
Não se ponham em jugo desigual com descrentes. Pois o que têm em comum a
justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas? (2
Coríntios 6.14).
...a outros, salvem, arrebatando-os do fogo; a outros ainda, mostrem misericórdia
com temor, odiando até a roupa contaminada pela carne (Judas 23).
Como assinala Gerstner, é popular se ensinar que “Deus odeia o pecado, mas ama o
pecador”, e que os crentes devem adotar a mesma atitude. Entretanto, os versículos
acima contradizem a noção de que temos de amar os réprobos, mas odiar seus pecados;
eles indicam que devemos odiar tanto os perversos quanto seus maus feitos.
Alguns têm tanto preconceito contra dizer que Deus deteste certos indivíduos que suas
asserções concernentes ao assunto contradizem seu conhecimento bíblico sadio.
Por exemplo, H. L. Drumwright Jr. está certo ao escrever: “Deve-se... reconhecer que a
forma de pensar hebraica não faz distinção clara entre o indivíduo e seus feitos. Um
homem no pensamento dos hebreus é a soma total das ações de sua vida...”. 72 Deve-se
seguir disso que não há distinção clara entre aborrecer a um homem e seus feitos.
Mas o que Drumwright pensa é diferente! Ele continua: “...de modo que dizer que Deus
odiou um homem não é dizer que ele maliciosamente ficou disposto para com uma
personalidade particular, mas notar a oposição divina ao mal que foi registrada naquela
vida”. 73
Isso é pura insânia. Se A = B, então odiar alguém é odiar o outro; não há diferença
alguma. Mas, segundo Drumwright, se A = B, e Deus diz que odeia A, significa que ele
somente odeia B e não A.
Ele está dizendo que, porque uma pessoa (A) é a soma de suas ações (B), quando Deus
diz que odeia uma pessoa (A), ele na verdade não odeia a pessoa (A), mas apenas a
soma total de suas ações (B). Tal inferência é ridícula. Ele reconhece que uma pessoa é
a soma total de suas ações (A = B); logo, não pode ser que tudo o que se aplica a A seja
de algum modo transferido a B de modo que não mais se aplique a A. Mas se A = B,
então tudo o que se aplica seja a A ou a B aplica-se a ambos A e B. Se Deus odeia seja
A ou B, ele odeia tanto A quanto B, visto que A é B. Isso deve ser fácil de entender.
O que controla o pensamento de Drumwright é uma anterior determinação de que Deus
não odeia a pessoa nenhuma independente do que a Bíblia ensine, e o resultado é a
incompetente erudição. Baseado na primeira porção da citação de Drumwright, pode-se
inferir apenas a conclusão aqui oferecida, 74 que Deus odeia tanto o réprobo quanto seus
maus feitos, visto que a pessoa é a soma de suas crenças, pensamentos e ações.
Entretanto, Deus soberanamente escolhe estender misericórdia a seus eleitos,
imputando-lhes a própria justiça de Cristo, “que foi morto desde a criação do mundo”
(Apocalipse 13.8). Os eleitos são também pecadores, e merecem ser odiados por Deus.
Mas ele pôs seu amor sobre eles na eternidade, redimiu-os através da obra de Cristo,
determinado a transformá-los pelo seu Espírito (Ezequiel 11.19), e ordenou de antemão
as boas obras que eles devem desempenhar (Efésios 2.10). Os eleitos são predestinados
“para serem conformes à imagem de seu Filho” (Romanos 8.29). “Portanto, Deus tem
misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer” (Romanos 9.18). 75
Ora, a Bíblia diz que Deus considera a impiedade dos réprobos como contínua:
O SENHOR viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que
toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o
mal (Gênesis 6.5).
... pois o seu [i.e., do homem] coração é inteiramente inclinado para o mal desde
a infância... (Gênesis 8.21).
Em sua presunção o ímpio não o busca; não há lugar para Deus em nenhum dos
seus planos (Salmo 10.4).
Somos como o impuro — todos nós! Todos os nossos atos de justiça são como
trapo imundo. Murchamos como folhas, e como o vento as nossas iniqüidades
nos levam para longe (Isaías 64.6).
74 O
Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos
ruins. A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos
bons (Mateus 7.17,18).
Mas se uma pessoa é o agregado de seus pensamentos e ações, e os pensamentos e
ações dos réprobos são continuamente maus, então é contra-senso dizer que se pode
amar o pecador e odiar o pecado, visto que um não pode ser tido como separado do
outro. Gerstner concorda: “Até onde o ‘aborrecimento ao pecado’ diz respeito, pecados
não existem à parte do pecador. Deus odeia sim o pecado, o assassinato, o furto, a
mentira, a lascívia etc., mas isso se refere a quem perpetra tais crimes”. 76
Peter Kreeft uma vez disse a um professor de faculdade homossexual: “eu amo o
pecador mas odeio o pecado”. 77 Após alguma discussão, o último respondeu:
Bem, suponha estar no outro lado da situação. Suponha que você estivesse na
minoria. Suponha que o que você quisesse fazer fosse ter igrejas e sacramentos e
Bíblias e orações, e aqueles investidos de poder lhe dissessem: “Nós odiamos
isso. Detestamos o que você faz. Faremos tudo o que for do nosso domínio para
que pare de fazer o que faz. Mas amamos você. Amamos o que você é. Amamos
os cristãos; apenas odiamos o cristianismo. Amamos os que cultuam; apenas
detestamos o culto. E vamos fazer toda a pressão possível sobre você para que se
sinta envergonhado acerca da adoração e fazer com que se arrependa do pecado
de adoração. Porém, amamos vocês. Nós afirmamos seu ser. Nós devemos
rejeitar o seu fazer.” Diga-me, como isso o faria sentir? Você aceitaria tal
distinção?. 78
Kreeft teve de admitir que o ódio dirigido contra o cristianismo é equivalente ao
dirigido contra sua própria pessoa: “Você tem razão. Eu não me sentiria confortável
com tal distinção. Não seria capaz de aceitá-la. Na verdade, diria muita coisa do que
você acaba de falar: que está tentando matar a minha identidade”. 79
Noções errôneas acerca do que significa amar nossos inimigos têm resultado numa
perda da santa indignação e da ousada oposição contra aqueles que odeiam a Deus. O
desejo de obedecer ao mandamento de Cristo de amar nossos inimigos é recomendável,
mas, como mencionado, ele apenas nos disse para fazer o bem a quem nos odeia. Isso é
análogo à benevolência geral que Deus mostra a todos os seres humanos (Mateus 5.43-
45). Entretanto, a Bíblia jamais diz para se pensar nos réprobos como algo que eles não
são; antes, a posição escriturística é que todos eles são tolos depravados e rebeldes
malignos. Pensar neles como algo melhor que isso significa uma rejeição da Escritura.
Portanto, ainda que devamos exibir uma benevolência geral para com os réprobos,
devemos também imitar o santo ódio de Deus contra eles, e sermos zelosos de sua
honra. O modo com que alguns “amam” seus inimigos significa aliar-se a eles contra
Deus, mas eles são ainda réprobos mesmo que a nós tenha sido ordenado amá-los.
Amamo-los quando nos oferecemos para lhes fazer bem e recusar a lhes fazer mal
(Romanos 12.20,21; 13.10). Por outro lado, nós temos “ódio implacável” (Salmo 72.2)
A retidão e a justiça são os alicerces do teu trono; o amor e a fidelidade vão à tua
frente (Salmo 89.14).
Julgará o mundo com justiça e os povos, com retidão (Salmo 98.9).
A minha língua cantará a tua palavra, pois todos os teus mandamentos são justos
(Salmo 119.172).
Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do
homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os
mortos (Atos 17.31).
Visto serem os cristãos filhos de Deus, não é natural que eles tenham suspeitas ou se
oponham à IRA divina, mas alguns crentes professos falam e se portam com se isso não
fosse uma doutrina bíblica. A Bíblia ensina-nos a saber “a bondade e a severidade de
Deus” (Romanos 11.22 ARA). A ira é um atributo divino tanto quanto o é o amor; logo,
para termos um conceito apropriado de Deus, devemos tratar de conhecer sua ira.
O porquê de haverem réprobos — “os vasos de sua ira” ou aqueles que estão
“preparados para a destruição” — é que Deus possa revelar tal aspecto de sua natureza
“aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória” (Romanos 9.22-
23). Visto que os cristãos foram “salvos da ira de Deus” (Romanos 5.9) mediante
Cristo, isso é um atributo divino que os eleitos jamais experimentarão, e, portanto, deve
ser demonstrado a eles em outras pessoas. Recorde-se que um benefício que Deus dá
aos eleitos é informação ou conhecimento sobre si mesmo, e isso nos mostra até que
ponto ele chega para fazer-se conhecido ao seu povo.
A ira de Deus é sua divina cólera contra tudo que é contrário à santidade e à retidão; 91 é
seu intenso aborrecimento para com o pecado e a impiedade. Ao contrário de muito da
cólera humana, a divina não é emocional ou mesquinha, mas provém da santa natureza
de Deus, e é a um só tempo boa e justificada.
A ira divina é dirigida contra todos os que rejeitam a Jesus Cristo:
Beijem o filho, para que ele não se ire e vocês não sejam destruídos de repente,
pois num instante acende-se a sua ira. Como são felizes todos os que nele se
refugiam (Salmo 2.12).
Quem crê no Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não verá a vida,
mas a ira de Deus permanece sobre ele (João 3.36).
Mas haverá ira e indignação para os que são egoístas, que rejeitam a verdade e
seguem a injustiça (Romanos 2.8).
Ninguém os engane com palavras tolas, pois é por causa dessas coisas que a ira
de Deus vem sobre os que vivem na desobediência. Portanto, não participem
com eles dessas coisas (Efésios 5.6,7).
Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês:
imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é idolatria.
É por causa dessas coisas que vem a ira de Deus (Colossenses 3.5,6).
Que a ira divina será derramada contra aqueles que rejeitam a Cristo não quer dizer que
os réprobos que jamais ouviram o evangelho estejam isentos, visto que todo não-cristão
que não rejeitou diretamente a pessoa e a obra de Jesus Cristo rebelou-se, contudo,
contra o conhecimento de Deus que lhes é inato no íntimo: “A ira de Deus é revelada
dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela
injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes
manifestou” (Romanos 1.18,19). Portanto, todos os réprobos sofrerão sob a intensa ira
divina.
Porém, a ira de Deus não virá sobre os eleitos: “Porque Deus não nos destinou para a
ira, mas para recebermos a salvação por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (1
Tessalonicenses 5.9). Deus designou os réprobos para “a ira”, mas ele nos designou para
“a salvação” mediante Cristo. Portanto, podemos creditar nossa salvação somente ao
soberano decreto de Deus, e não a um inexistente “livre arbítrio” pelo qual nós
escolhemos seguir a Cristo, de modo que ninguém poderá se jactar diante dele.
O grosso da discussão a respeito da divina eleição está reservado para o capítulo sobre
salvação, mas visto que já trouxemos à baila os assuntos da eleição e da ira, devemos
também considerar o atributo divino da VONTADE de Deus. 92
Os teólogos distinguem entre a vontade de Deus “secreta” e “revelada”, baseados em
Deuteronômio 29.29, que diz: “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, o nosso
Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que
sigamos todas as palavras desta lei”. As coisas “reveladas” incluiriam tudo que está
registrado na Escritura — os divinos preceitos, mandamentos, doutrinas e predições.
Havendo sido revelados a nós, o conteúdo da Escritura nos “pertencem”. É o objeto
imediato ao qual devemos nossa lealdade e obediência — “para que sigamos todas as
palavras desta lei”.
Por outro lado, as “coisas encobertas” pertencem a Deus. As pessoas experimentam
decepção quando tentam descobrir a sua vontade encoberta ao tomarem decisões. Pior
ainda, muitos caem em sério erro espiritual e escravidão como conseqüência. A própria
natureza de sua secreta vontade é que seu conteúdo está escondido, e, portanto, aqueles
que tentam nele penetrar sempre fracassarão. Tais pessoas vão atrás de visões, sonhos e
profecias — algumas vezes, até de práticas proibidas, tais como astrologia e várias
espécies de adivinhação. Antes, os cristãos devem afirmar a suficiência da Escritura.
Visto que a Bíblia é capaz de equipar uma pessoa “para toda boa obra” (2 Timóteo
3.17), ela já deve conter informação suficiente de modo que quem está familiarizado
com seu conteúdo nunca tomará qualquer decisão pessoal ou moral que ofenda ou
desagrade a Deus. A Bíblia contém todas as informações de que alguém precisa para
viver uma vida que seja plenamente aceitável a Deus. Pode não nos mostrar tudo que
desejamos saber, mas contém tudo o que ele deseja que saibamos. A Escritura é
suficiente, de modo que, havendo aprendido seu conteúdo, não requereremos instruções
adicionais e sob medida sobre nossas vidas e circunstâncias para tomarmos decisões que
sejam agradáveis a Deus. Quanto à sua vontade encoberta, ela inclui coisas sobre as
quais não conhecemos até que aconteçam. Tais coisas incluem eventualidades futuras
que não foram preditas na Escritura, sejam eventos históricos de maior monta ou
circunstâncias pessoais. 93
A vontade de Deus determina cada evento maior ou menor, ao ponto que nem mesmo
um pardal morra sem seu querer: “Não se vendem dois pardais por uma moedinha?
Contudo, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do Pai de vocês” (Mateus
10.29). 94 Desse modo, a vontade de Deus está inseparavelmente ligada a seu poder. Ele
diz em Isaías 46.10: “Desde o início faço conhecido o fim, desde tempos remotos, o que
ainda virá. Digo: Meu propósito permanecerá em pé, e farei tudo o que me agrada”.
Suas predições, declarando o fim a partir do começo, são mais do que meras previsões,
mas são ao mesmo tempo declarações do que ele quer fazer, visto nem mesmo um
pardal poder morrer senão por seu querer. Pois Deus predizer o tempo e a maneira da
morte de um pardal é revelar seu decreto ativo concernente ao tempo e modo de sua
morte. E ele predizer o que acontecerá é revelar o que fará. Tudo o que ocorre tem que
ser desejado por Deus, de outra forma todo poder do universo não pode causar sua
ocorrência.
Por extensão, devemos ainda afirmar que os recipientes da salvação foram escolhidos
pela vontade divina. Logo, a salvação não é dependente da vontade ou da obra do
homem, mas da soberana misericórdia de Deus (Romanos 9.16). 95 Ele não é obrigado a
ser misericordioso para com qualquer um, mas “tem misericórdia de quem ele quer, e
endurece a quem ele quer” (Romanos 9.18).
Até as escolhas e as circunstâncias do homem são determinadas por seu soberano
querer:
Todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de
qualquer deles existir (Salmo 139.16).
O SENHOR faz tudo com um propósito; até os ímpios para o dia do castigo
(Provérbios 16.4).
Em seu coração o homem planeja o seu caminho, mas o SENHOR determina os
seus passos (Provérbios 16.9).
Os passos do homem são dirigidos pelo SENHOR. Como poderia alguém
discernir o seu próprio caminho? (Provérbios 20.24).
O coração do rei é como um rio controlado pelo SENHOR; ele o dirige para
onde quer (Provérbios 21.1).
Todos os povos da terra são como nada diante dele. Ele age como lhe agrada
com os exércitos dos céus e com os habitantes da terra. Ninguém é capaz de
resistir à sua mão ou dizer-lhe: “O que fizeste?” (Daniel 4.35).
Ouçam agora, vocês que dizem: “Hoje ou amanhã iremos para esta ou aquela
cidade, passaremos um ano ali, faremos negócios e ganharemos dinheiro”.
Vocês nem sabem o que lhes acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são
como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa. Ao
invés disso, deveriam dizer: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou
aquilo” (Tiago 4.13-15).
Todas as coisas estão sujeitas à vontade divina — não há nada que esteja além de seu
controle, e ele não preferiu renunciar a tomar decisão sobre qualquer matéria.
Àqueles que abominam o governo e a glória de Deus, tal é uma doutrina repulsiva, e,
dessa forma, protestam contra ela. Porém, àqueles que o amam, a absoluta soberania
divina é uma fonte de alegria e conforto. Qual a melhor maneira de obtê-la, do que ter
Deus governando sobre tudo? A eleição divina para a salvação receberá tratamento
adicional; enquanto isso, fica estabelecido que o reino de Deus sobre sua criação é total,
e que nada acontece que não seja de seu querer.
Isso contradiz a suposição de que Deus não decreta o mal. Naturalmente, Deus decreta
eventos que são contrários aos seus preceitos morais; de outro modo, não poderia haver
mal algum. Entretanto, isso não torna a si mesmo maligno. Para pecar ou fazer o mal,
deve-se violar uma lei moral de Deus, mas ele não pode pecar, visto suas próprias ações
definirem o que seja certo ou errado, a Escritura diz que aquelas são sempre boas e
justas. Por conseguinte, o próprio fato de que ele decrete certos eventos maus somente
quer dizer que é direito seu assim agir. 96 Não há autoridade alguma ou padrão mais alto
do que ele para condená-lo.
Isso não faz de Deus um tirano? Se a palavra significa somente “um governante
absoluto”, 97 então naturalmente ele o é. E visto ser a única autoridade moral, o próprio
fato de que ele é um tirano significa que ele deve ser um, que lhe é bom e justo o ser
um. As conotações negativas da palavra aplicam-se somente a seres humanos, visto que
nenhum desses deve possuir absoluta autoridade. Mas Deus é um “governante absoluto”
— isto é o que significa ser Deus.
A Bíblia amiúde chama a atenção para a SANTIDADE divina. Há dois aspectos desse
atributo divino, enfatizando a pureza moral e a transcendência de Deus. Ambos os
aspectos implicam separação daquilo que é pecaminoso ou que assume uma forma
inferior de existência. Ser santo é ser reto, moral e puro, e também afastado, separado e
diferente.
Combinados, esses dois aspectos da santidade divina querem dizer que não há ninguém
semelhante a Deus em sua pureza moral e superior estado de existência. Em conexão
com sua santidade, a Bíblia enfatiza que ele é único, e que ninguém se lhe aproxima em
grandeza: “Não há ninguém santo como o SENHOR; não há outro além de ti; não há
rocha alguma como o nosso Deus” (1 Samuel 2.2); “‘Com quem vocês me vão
comparar? Quem se assemelha a mim?’, pergunta o Santo” (Isaías 40.25).
Isaías 57.15 é um inspirador versículo que nos conta como a santidade de Deus implica
seu estado “alto e santo” de existência (transcendência), e todavia ele está perto
daqueles que são “humilde[s] de espírito” (imanência): “Pois assim diz o Alto e
Sublime, que vive para sempre, e cujo nome é santo: ‘Habito num lugar alto e santo,
mas habito também com o contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao
espírito do humilde e novo alento ao coração do contrito”.
Alguns desejam acentuar a possibilidade de se ter genuíno companheirismo com Deus,
e, portanto, favorecem sua imanência de um modo que nega a sua transcendência.
Detectando tal distorção, outros que desejam manter uma elevada opinião sobre Deus
super-compensam negando sua imanência. Entretanto, a transcendência divina não
obstrui a imanência divina, e essa não diminui sua transcendência. Essas duas
qualidades de Deus são verdadeiras e consistentes com outros atributos divinos. Nossa
passagem diz que Deus de fato é “alto e sublime”, e que ninguém é como ele, mas por
sua própria vontade, ele está também perto daqueles a quem escolheu, e que se
humilharão a si mesmos perante ele.
Um entendimento correto sobre a santidade divina deve nos levar a adorar e temer a
Deus:
Exaltem o SENHOR, o nosso Deus, prostrem-se diante do estrado dos seus pés.
Ele é santo... Exaltem o SENHOR, o nosso Deus; prostrem-se, voltados para o
seu santo monte, porque o SENHOR, o nosso Deus, é santo (Salmo 99.5,9).
Quem não te temerá, ó Senhor? Quem não glorificará o teu nome? Pois tu
somente és santo. Todas as nações virão à tua presença e te adorarão, pois
os teus atos de justiça se tornaram manifestos (Apocalipse 15.4).
O Deus santo é inerentemente digno de culto e de extrema reverência; é um pecado
sério negar a ele a devida adoração.
Deus requer que seu povo seja santo como ele o é. Naturalmente, não podemos ser
transcendentes no sentido de assumir um estado de existência metafisicamente “alto e
sublime”. Entretanto, Deus nos escolheu para si mesmo na eternidade, e uma vez que
nos chama à fé em Cristo e nos põe à parte na história, podemos ser moralmente
separados do mundo, e permanecer puro de sua imundícia. Deus exige viver santo de
seu povo tanto no Antigo quanto no Novo Testamento: “Vocês serão santos para mim,
porque eu, o SENHOR, sou santo, e os separei dentre os povos para serem meus”
(Levítico 20.26); “Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês
também em tudo o que fizerem, pois está escrito: ‘Sejam santos, porque eu sou santo’”
(1 Pedro 1.15,16).
Além da separação moral do mundo, há um outro sentido no qual existimos de uma
maneira distinta dos incrédulos. Como resultado da obra de Deus em nós, nosso
pensamento, fonte de ajuda, comunidade social e mesmo de ler literatura deve ser
diferente daqueles que chafurdam nas pecaminosas formas de viver neste mundo.
Devemos odiar “até a roupa contaminada pela carne” (Judas 23).
78
Jesus orou não para que Deus removesse os crentes do mundo, mas que protegesse-os
do mal enquanto estivessem no mundo: “Não rogo que os tires do mundo, mas que os
protejas do Maligno” (João 17.15). Tal versículo é algumas vezes usado como base para
se criticar os cristãos que se equivocam ao suporem que o retirar-se do mundo é uma
necessária implicação do viver santo. Eles evitam contato com o mundo para evitar
serem contaminados por ele. Mas não é isso que Deus ordena, e tal abordagem
negligencia algumas de nossas responsabilidades cristãs tais como evangelismo e
caridade. O uso correto de João 17.15 encoraja os cristãos a entrarem na esfera de
existência dos descrentes para persuadir os inimigos espirituais pela pregação e pelo
ensino, e para serem sal e luz para eles mediante nosso falar e conduta santos (Mateus
5.13-16).
Por outro lado, muitos cristãos contemporâneos empregam mal esse versículo, de
maneira outra a transformá-lo em licença para se desculparem de uma falta de disciplina
pessoal e manterem relações não sadias com o mundo. “Não rogo que os tires do
mundo, mas que os protejas do Maligno” somente significa que Jesus não pede a Deus
para remover fisicamente os cristãos do mundo, que ele não os tomaria imediatamente
para o céu uma vez que viessem à fé em Cristo. Pode-se ver isso examinando o
contexto. Jesus discute seu arrebatamento e partida físicos nos versículos 11 e 13: “Não
ficarei mais no mundo, mas eles ainda estão no mundo, e eu vou para ti... Agora vou
para ti, mas digo estas coisas enquanto ainda estou no mundo”. Jesus certamente não
estava “no mundo” no sentido de estar em pecado ou envolvido em demasia com os
incrédulos, mas ele quer dizer que ainda estava presente de modo físico com os
discípulos. Assim, no versículo 15, Jesus somente pede ao Pai que não removesse
imediatamente os cristãos do mundo, mas que os protegesse do maligno.
Logo, aqueles que apresentam o versículo 15 (ou outros similares na Bíblia) como
encorajamento para os cristãos tornarem-se envolvidos com o mundo no sentido de
amizade com os incrédulos ou de freqüentar suas festas distorcem seu significado. O
versículo em seu todo tem um propósito diferente.
Antes, a Bíblia diz que devemos nos refrear dos relacionamentos ilícitos com os
descrentes:
Não se ponham em jugo desigual com descrentes. Pois o que têm em comum a
justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas? Que
harmonia entre Cristo e Belial? Que há de comum entre o crente e o descrente?
Que acordo há entre o templo de Deus e os ídolos? Pois somos santuário do
Deus vivo. Como disse Deus: “Habitarei com eles e entre eles andarei; serei o
seu Deus, e eles serão o meu povo”. Portanto, “saiam do meio deles e separemse”,
diz o Senhor. “Não toquem em coisas impuras, e eu os receberei e lhes serei
Pai, e vocês serão meus filhos e minhas filhas”, diz o Senhor todo-poderoso (2
Coríntios 6.14-18).
Vida santa nos impõe separação de nós mesmos do mundo, principalmente, não em
sentido físico, mas espiritual. Ou seja, não temos que residir em comunidades
exclusivamente cristãs ou monastérios, mas é imperativo que nos distingamos no falar,
na conduta, nos hábitos, nas prioridades, nas preferências, na escolha dos amigos, nos
materiais de leitura e nas formas de entretenimento. Não é verdade que podemos ter
79
amizade com quem quisermos — Paulo avisa: “Não se deixem enganar: ‘As más
companhias corrompem os bons costumes’” (1 Coríntios 15.33).
Sabemos que devemos pregar aos pecadores, e para essa finalidade entramos em
freqüente contato com eles, mas a questão é se devemos ser seus amigos. Em conexão
com isso, argumenta-se amiúde que Jesus se associava com pecadores. Isso é verídico, e
devemos fazer o mesmo se for no mesmo sentido em que ele o fazia. Não obstante, ele
se associava a eles, não por prazer social, mas demandando nada menos do que sua
completa conversão espiritual.
Por exemplo, Jesus disse a Zaqueu: “Quero ficar em sua casa hoje” (Lucas 19.5). O
povo reprovou isso, e disse: “Ele se hospedou na casa de um ‘pecador’” (v. 7). Não é
isso apoio à posição de que ele se associava com pecadores? Porém, Zaqueu disse:
“Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos pobres; e se de alguém
extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais” (v. 8). E parece que ele tinha
passado por regeneração espiritual, visto que Jesus disse: “Hoje houve salvação nesta
casa! Porque este homem também é filho de Abraão” (v. 9). Então, ele acrescentou:
“Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido” (v. 10). Portanto, tal
incidente não nos dá permissão para associarmo-nos com pecadores para qualquer outra
finalidade que não seja espiritual. Jesus não o fazia por prazer social, mas para “buscar e
salvar o que estava perdido”.
Um outro exemplo vem de Lucas 7: “Ao saber que Jesus estava comendo na casa do
fariseu, certa mulher daquela cidade, uma ‘pecadora’, trouxe um frasco de alabastro
com perfume, e se colocou atrás de Jesus, a seus pés. Chorando, começou a molhar-lhe
os pés com suas lágrimas. Depois os enxugou com seus cabelos, beijou-os e os ungiu
com o perfume” (vv. 37-38). Um observador desaprovou: “Ao ver isso, o fariseu que o
havia convidado disse a si mesmo: ‘Se este homem fosse profeta, saberia quem nele está
tocando e que tipo de mulher ela é: uma ‘pecadora’’” (v. 39). Mas mesmo esse encontro
tinha uma finalidade espiritual — a ação da mulher expressava seu amor por Deus e
arrependimento por seus pecados. Jesus lhe disse: “Seus pecados estão perdoados... Sua
fé a salvou; vá em paz” (vv. 48,50).
As bodas de Caná em João 2, onde Jesus transformou água em vinho, é amiúde usado
para apoiar a asserção de que ele participava de atividades sociais e de recreio seculares
mesmo quando não constituíam nenhuma agenda espiritual explícita. Mas novamente,
descobrimos que tal propósito não era social, mas espiritual, visto que aqui ele operou
seu primeiro milagre que manifestava sua glória: “Este sinal miraculoso, em Caná da
Galiléia, foi o primeiro que Jesus realizou. Revelou assim a sua glória, e os seus
discípulos creram nele” (v. 11). Eu não tenho objeção alguma contra um cristão que
participa em eventos sociais e recreativos com incrédulos se ele puder consistentemente
atrair a atenção deles para a glória de Cristo. 98
Se listarmos vários exemplos mais, o padrão emergirá, mostrando que ainda que Jesus
se associasse com pecadores, seu propósito não era social ou recreativo, mas espiritual.
Ele requeria mudança espiritual dos pecadores, e aqueles com quem ele ficava eram
desejosos de ouvir ao seu ensino e arrepender-se de seus pecados. Ele também ensinava
seus discípulos não irem incessantemente atrás daqueles pecadores que se recusam a
aceitar o evangelho. Ele disse: “Não dêem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas
pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês,
os despedaçarão” (Mateus 7.6), e “Se alguém não os receber nem ouvir suas palavras,
sacudam a poeira dos pés quando saírem daquela casa ou cidade” (Mateus 10.14).
Outras passagens relacionadas incluem:
Mas os judeus incitaram as mulheres piedosas de elevada posição e os principais
da cidade. E, provocando perseguição contra Paulo e Barnabé, os expulsaram do
seu território. Estes sacudiram o pó dos seus pés em protesto contra eles e foram
para Icônio (Atos 13.50,51).
No sábado seguinte, quase toda a cidade se reuniu para ouvir a palavra do
Senhor. Quando os judeus viram a multidão, ficaram cheios de inveja e,
blasfemando, contradiziam o que Paulo estava dizendo. Então Paulo e Barnabé
lhes responderam corajosamente: “Era necessário anunciar primeiro a vocês a
palavra de Deus; uma vez que a rejeitam e não se julgam dignos da vida eterna,
agora nos voltamos para os gentios. Pois assim o Senhor nos ordenou: ‘Eu fiz de
você luz para os gentios, para que você leve a salvação até aos confins da terra’”
(Atos 13.44-47).
Opondo-se eles e lançando maldições, Paulo sacudiu a roupa e lhes disse: “Caia
sobre a cabeça de vocês o seu próprio sangue! Estou livre da minha
responsabilidade. De agora em diante irei para os gentios” (Atos 18.6).
Muitos cristãos sucumbiram a uma idéia popular em nossa cultura, que quando pessoas
de cosmovisões e religiões distintas andam juntas, deve haver um livre e mútuo
intercâmbio de idéias. Porém, a Escritura ordena-nos a resistir à influência dos nãocristãos.
Jesus e os apóstolos nunca tiveram qualquer livre troca de idéias com os
incrédulos, mas para eles a mensagem do evangelho devia dominar todas as situações.
Não há apoio escriturístico algum para aquele intercâmbio, exceto se dominado pelos
crentes.
Podemos ter conversações amigáveis com descrentes, mas uma troca de idéias faz supor
aprender delas, e mesmo a possibilidade de adoção de suas crenças. Contudo, da mesma
forma que Cristo nada tinha a aprender do diabo, os cristãos nada têm a aprender dos
não-cristãos (2 Coríntios 6.15), 99 e certamente não podemos adotar suas convicções.
Jesus nos mandou ensinar as nações (Mateus 28.18-20), não aprender delas.
Esse ponto de vista exclusivo e elevado da religião cristã é freqüentemente acusado de
ser arrogante. Mas isso é uma acusação tola, visto não estarmos ensinando opiniões
particulares, mas “tudo” o que Cristo ordenou (v.20). Ensinar a palavra de Deus como
verdade exclusiva é uma marca de obediência e fé, não de arrogância. Por outro lado,
sugerir que as idéias bíblicas precisam de modificação ou melhoramento mediante um
intercâmbio de idéias com cosmovisões não-bíblicas é mais do que arrogante — é
cometer o pecado de blasfêmia.
Alguns podem argumentar que ainda que a cosmovisão bíblica não requeira
modificação ou aperfeiçoamento algum, um intercâmbio ou diálogo com incrédulos,
todavia, auxiliará no aumento do entendimento mútuo. Concordo com isso, contanto
que o motivo do cristão para entender o ponto de vista não-bíblico seja para refutá-lo.
Não devemos nunca conceder aos descrentes pensar que estejamos preparados para
aceitar suas crenças ou fazer o mais leve ajuste à cosmovisão bíblica que afirmamos.
Os cristãos devem “destruir” todas as idéias não-cristãs e “[levar] cativo todo
pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (2 Coríntios 10.5). A Escritura nos proíbe
assim de mostrar respeito a ou aprender de cosmovisões e religiões não-cristãs. Ela
condena todas essas, e subentender mesmo por um momento que tenhamos um jota de
respeito por idéias e crenças não-bíblicas denuncia uma falta de fidelidade a Cristo e
chega a ser traição espiritual. Devemos continuamente indicar nosso expresso desdém
por qualquer idéia que “se levanta contra o conhecimento de Deus” (2 Coríntios 10.5).
A menos que se esteja verdadeiramente inclinado a considerar idéias não-bíblicas, nas
quais a autenticidade dessa esteja em questão, é desonesto permitir a outros pensar que
somos abertos e respeitosos para com suas crenças. 100
Voltando ao nosso tópico, aqueles que usam o argumento de que Jesus se associava com
pecadores como razão para travarem amizade com os incrédulos podem livremente
participar em atividades sociais e recreativas, mas somente se tiverem alguma espécie
de agenda espiritual em mente, e apenas se levarem-na a termo quando se associarem
com aqueles.
Naturalmente, trabalhar num ambiente secular necessita alguma espécie de interação
com pecadores, mas estamos falando de sermos seus amigos num nível pessoal.
Pouquíssimos cristãos que travam amizade com pecadores na base de que “Jesus o
fazia” são efetivos em ministrar aos pecadores, assumindo que tenham isso em mente
antes de mais nada. A maioria deles está mentindo para Deus e para si mesmos — eles
não têm intenção alguma de exigir a conversão daqueles com quem fazem amizade.
Repetindo a admoestação de Paulo: “Não se deixem enganar: ‘As más companhias
corrompem os bons costumes’” (1 Coríntios 15.33). Isto é, não sejam enganados em
pensar que faz pouca diferença com quem alguém se associa; não suponha que quem
desfrute da companhia dos incrédulos não colherá nenhuma conseqüência trágica.
Outros versículos relevantes incluem:
Não me associo com homens falsos, nem ando com hipócritas; detesto o
ajuntamento dos malfeitores, e não me assento com os ímpios (Salmo 26.4,5).
Longe estou dos perversos de coração; não quero envolver-me com o mal. Farei
calar ao que difama o próximo às ocultas. Não vou tolerar o homem de olhos
arrogantes e de coração orgulhoso (Salmo 101.4,5).
Afastem-se de mim os que praticam o mal! Quero obedecer aos mandamentos
do meu Deus! (Salmo 119.115).
Não permitas que o meu coração se volta para o mal, nem que eu me envolva em
práticas perversas com os malfeitores. Que eu nunca participe dos seus
banquetes... A minha oração é contra as práticas dos malfeitores. Quando eles
caírem nas mãos da Rocha, o juiz deles, ouvirão as minhas palavras com apreço
(Salmo 141.4-6).
Não siga pela vereda dos ímpios nem ande no caminho dos maus. Evite-o, não
passe por ele; afaste-se e não se detenha (Provérbios 4.14,15).
Aquele que anda com os sábios será cada vez mais sábio, mas o companheiro
dos tolos acabará mal (Provérbios 13.20).
Não te juntes ao homem irascível, nem freqüentes o homem colérico, para que
não te acostumes com os seus modos e não encontres uma cilada para tua vida*
(Provérbios 22.24,25).
Vocês não sabem que um pouco de fermento faz toda a massa ficar fermentada?
(1 Coríntios 5.6).
Entre vocês não deve haver nem sequer menção de imoralidade sexual como
também de nenhuma espécie de impureza e de cobiça; pois essas coisas não são
próprias para os santos. Não haja obscenidade, nem conversas tolas, nem
gracejos imorais, que são inconvenientes, mas, ao invés disso, ações de graças
(Efésios 5.3,4).
Timóteo, guarde o que lhe foi confiado. Evite as conversas inúteis e profanas e
as idéias contraditórias do que é falsamente chamado conhecimento;
professando-o, alguns desviaram-se da fé. A graça seja com vocês (1 Timóteo
6.20,21).
Evite as conversas inúteis e profanas, pois os que se dão a isso prosseguem cada
vez mais para a impiedade (2 Timóteo 2.16).
A maioria dos crentes professos fica envolvida com o mundo porque gosta dele, e não
por estar determinada a mudá-lo rumo a um curso mais piedoso. Mas a Bíblia diz:
“Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus” (Tiago 4.4). Portanto, ainda
que não esteja nas Escrituras o retirar-se do mundo e de suas estruturas sociais,
econômicas e políticas, devemos avaliar nosso motivo para se associar a pecadores, e
certificarmo-nos de que sempre nos lembremos de nossa missão espiritual.
A Bíblia também dá instrução concernente às relações entre os crentes. Ainda que
muitas das restrições aplicáveis ao se lidar com incrédulos sejam levantadas, permanece
que a agenda primeira e o conteúdo da conversação nas relações entre os crentes devam
ser espirituais, e dominadas por discussões teológicas.
Passagens bíblicas relevantes incluem:
Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as
com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em
casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se
levantar. Amarre-as como um sinal nos braços e prenda-as na testa. Escreva-as
nos batentes das portas de sua casa e em seus portões (Deuteronômio 6.6,9).
Sou amigo de todos os que te temem e obedecem aos teus preceitos (Salmo
119.63).
Venham apoiar-me aqueles que te temem, aqueles que entendem os teus
estatutos (Salmo 119.79).
Fira-me o justo com amor leal e me repreenda, mas não perfume a minha cabeça
o óleo do ímpio, pois a minha oração é contra a prática dos malfeitores (Salmo
141.5).
Aquele que anda com os sábios será cada vez mais sábio, mas o companheiro
dos tolos acabará mal (Provérbios 13.20).
Depois, aqueles que temiam o SENHOR conversaram uns com os outros, e o
SENHOR os ouviu com atenção. Foi escrito um livro como memorial na sua
presença acerca dos que temiam o SENHOR e honravam o seu nome. “No dia
em que eu agir”, diz o SENHOR dos Exércitos, “eles serão o meu tesouro
pessoal. Eu terei compaixão deles como um pai tem compaixão do filho que lhe
obedece. Então vocês verão novamente a diferença entre o justo e o ímpio, entre
os que servem a Deus e os que não o servem (Malaquias 3.16-18).
Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às
orações (Atos 2.42).
Este, ali chegando e vendo a graça de Deus, ficou alegre e os animou a
permanecerem fiéis ao Senhor, de todo o coração (Atos 11.23).
Portanto, que diremos, irmãos? Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem
um salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em uma
língua ou uma interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja (1
Coríntios 14.26).
Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês, mas apenas a que for útil para
edificar os outros, conforme a necessidade, para que conceda graça aos que a
ouvem (Efésios 4.29).
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[Falem] entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando
de coração ao Senhor, dando graças constantemente a Deus Pai por todas as
coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo (Efésios 5.19,20).
E não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não
desanimarmos. Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos,
especialmente aos da família da fé (Gálatas 6.9,10).
Por isso, exortem-se e edifiquem-se uns aos outros, como de fato vocês estão
fazendo (1 Tessalonicenses 5.11).
[Antes,] encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se
chama “hoje”, de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do
pecado (Hebreus 3.13).
E consideremos uns aos outros para nos incentivarmos ao amor e às boas obras
(Hebreus 10.24).
Nós lhes proclamamos o que vimos e ouvimos para que vocês também tenham
comunhão conosco. Nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo
(1 João 1.3).
Ainda que os cristãos nada tenham a aprender com os descrentes, conversar com outros
fiéis para obter um melhor entendimento da Escritura é proveitoso. Os verdadeiros
cristãos desfrutarão tal companhia, na qual Deus permanece no centro de nosso
pensamento e conversas, mesmo quando estivermos ocupados com atividades sociais e
recreativas. Por conseguinte, ainda que os cristãos possam livremente ser amigos de
outros crentes autênticos e participar com eles dessas atividades, ainda assim suas
prioridades consistem de interesses espirituais e teológicas todo o tempo.
Isso conclui nosso estudo dos atributos divinos. Há alguns que não mencionamos, e
podemos dizer muito mais sobre aqueles que foram discutidos, mas o tema é rico
demais para que tentemos uma introdução exaustiva. Entretanto, a presente seção sobre
esses fornece um fundamento que evitará qualquer distorção séria na opinião de alguém
sobre Deus. Podemos agora prosseguir para a seção final deste capitulo, que é uma
discussão acerca das obras divinas.
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